O principal ponto de encontro entre a ciência econômica e a geopolítica é o crucial tema da ascensão e declínio das nações. Estudos quantitativos demonstram que aumenta muito o risco de guerra nas passagens de bastão entre potências econômicas mundiais. A ascensão da Alemanha e do Japão foi pré-requisito para a Primeira Grande Guerra, assim como a ascensão da Rússia o foi para a Segunda.
O mundo presencia talvez o mais drástico abalo do balanço de poder entre potências em muitos séculos. A economia da China deve superar a americana em menos de 15 anos. Sob a ótica histórica, é meramente o retorno à normalidade. Afinal, durante os últimos 20 séculos, as maiores economias do mundo foram China e Índia, exceto nos últimos dois séculos, 19 e 20, devido à chegada do capitalismo ao Ocidente.
Porém, a troca de comando econômico atual é substancialmente mais perigosa do que a subida dos EUA ao topo do mundo, há cem anos, ao superar o Reino Unido. A diferença é que outrora EUA e Reino Unido eram aliados com similar visão de mundo, ao passo que EUA e China são antagônicos.
Os EUA lideram desde os anos 1950 um regime internacional razoavelmente aberto, sustentado pelas regras multilaterais da OMC, do FMI e da ONU, com preferência por democracias. Já a China é governada pelo leninista Xi Jinping, que não dá nenhum sinal de abertura política.
Como a China conseguiu chegar ao topo se há meros 60 anos sua economia estava mais arrasada que a da atual Venezuela, tendo causado a morte de 40 milhões por desnutrição? O segredo tem a ver com a captura das “vantagens do atraso”.
Mais de Helio Beltrão
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A Europa do século 18 precisou poupar e criar quase do zero para consumar a Revolução Industrial, pois não havia capital disponível no mundo. Já os arrasados Japão e a Alemanha do pós-guerra importaram capital americano e adotaram a abertura comercial sob o regime internacional da “pax americana” e assim tomaram um atalho de volta à prosperidade.
Enquanto o Brasil praticava substituição de importações e reserva de mercado para computadores, a atrasada China de 1979 decidia se acoplar ao regime dinâmico mundial e copiar os pioneiros do Ocidente.
Em suma, a vantagem do atraso se captura por meio do comércio livre, da imitação das melhores práticas e da importação de capital de terceiros.
Nessa corrida em que Deng Xiaoping deu a partida, há 40 anos, todos se apressaram, mas nós ficamos parados. Em 1980, o brasileiro tinha renda equivalente a 15% a do americano, mas dez vezes a do chinês. Hoje continuamos em 15% da do americano, mas o chinês já tem padrão de vida superior ao nosso! O sul-coreano tinha renda equivalente à nossa, e agora, 3,5 vezes maior.
É crucial explorarmos as vantagens do atraso. O momento geopolítico brasileiro é ainda mais estratégico pois os EUA reagem mal. Trump crê que a guerra comercial é positiva, que pode vencê-la rapidamente e que os danos colaterais ao regime mundial são negligíveis. Está equivocado nos três quesitos.
Estudos com pares de países indicam que o comércio mútuo é a variável que melhor explica um ambiente de paz. Trump arrisca apostando contra o maior pacificador mundial, o comércio. O Brasil tem a contribuir com mais trocas.
Uma das brilhantes sacadas de F. A. Hayek é que o capitalismo não beneficia só os que vivem sob o sistema, mas também os menos livres, que detêm menor proteção à propriedade privada e acesso ao comércio global. Foi o que ocorreu com o chinês, ainda não livre, mas já mais rico que o brasileiro. Numa democracia como a nossa, os benefícios do atraso são ainda maiores. Quem não tem capacidade de criar precisa copiar. Será que aprendemos?
Fonte: “Folha de São Paulo”, 20/11/2019