11 de julho de 2017. Na entrada do teatro Bolshoi, os espectadores foram informados do cancelamento da estreia do balé Nureyev, substituído de última hora pela peça de repertório “Dom Quixote”. Segundo a justificativa oficial, os ensaios tinham sido insatisfatórios.
No mês seguinte, o premiado diretor da peça, Kirill Serebrennikov, um crítico contumaz de Putin, compareceu a um tribunal de Moscou, que o sentenciou a um ano de prisão por corrupção.
Nureyev não estreou porque o Kremlin vetou a celebração de um gay —e, ainda por cima, emigrado– pela icônica companhia teatral. Serebrennikov foi condenado por razões políticas, não por corrupção. Lula não é um preso político, independentemente do que se pense sobre a sentença de Moro.
Na Espanha, autoridades do antigo governo da Catalunha respondem, em prisão cautelar, a acusações de rebelião. Os partidos nacionalistas catalães e o esquerdista Podemos classificam os encarcerados como presos políticos.
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Os processos, porém, não mencionam ideias, mas ações: a convocação, em outubro passado, de concentrações populares para impedir que agentes policiais fechassem os locais de votação do plebiscito separatista, declarado ilegal pelo Tribunal Supremo. Discute-se, nos processos, se o grau de violência usado contra os policiais é suficiente para caracterizar rebelião contra a unidade espanhola.
Todo o contexto é político, mas os réus não são presos políticos. A Espanha distingue-se da Rússia pela independência do Judiciário. O Brasil figura ao lado da Espanha —e, por isso, Lula não é um preso político.
Preso político, ou preso de consciência, é o indivíduo encarcerado por suas ideias, mesmo quando a sentença descreva crimes comuns.
Na Turquia, desde o fracassado golpe de Estado de 2016, os tribunais condenaram centenas de jornalistas, professores e funcionários públicos por conluio com os golpistas. Os céleres processos turcos dispensaram provas firmes. Na Venezuela, o líder opositor Leopoldo López foi condenado a quase 14 anos de prisão por incitamento à violência nos protestos de rua de 2014.
A promotora-geral, responsável pelo caso, partiu para o exílio em 2017 e denunciou a fraude judicial da qual participou. Na Turquia e na Venezuela, há presos políticos; no Brasil, não. É que, aqui, os tribunais não são tentáculos do governo.
A prisão política é um ato de origem política, nunca de raiz judicial. Na Espanha, a propaganda secessionista é livre —tanto que partidos separatistas disputam eleições e, na Catalunha, exerceram o governo regional.
Na Rússia, na Turquia e na Venezuela, os governos limitam as liberdades civis, perseguindo opositores por meios judiciais. Na Espanha, como no Brasil, políticos governistas estão presos por corrupção. Na Rússia, na Turquia e na Venezuela, ao contrário do Brasil, a proximidade do poder é garantia de impunidade.
De Delúbio a Lula, passando por Dirceu e Palocci, todos os condenados petistas foram declarados presos políticos pelo PT –e, no caso de Lula, o PSOL aderiu à prática. Mas PT e PSOL não inscrevem Sérgio Cabral, Eduardo Cunha, Geddel ou Maluf no mesmo círculo. A razão para a duplicidade nos conduz à Venezuela: os dois partidos não se opõem à subordinação da Justiça ao governo, com a condição de que seja o seu governo.
Juízes erram, cedem a preconceitos, engajam-se em cruzadismos, sofrem pressões legítimas ou escandalosas (como a do comandante do Exército). Por isso, é tão importante o debate sobre a revisão judicial.
Mas, no Brasil, o governo não controla os tribunais, algo que Temer e seus aliados sabem por experiência própria. Decorre daí que nem a crença na tese delirante de uma conspiração universal dos juízes autoriza tratar Lula como preso político. O PT e o PSOL declaram-no preso político pelo mesmo motivo que tratam Leopoldo López como preso comum.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 14/04/2018