A dificuldade de aumentar o Fundo Eleitoral para as eleições municipais do ano que vem está revivendo entre deputados e senadores a necessidade do financiamento privado das campanhas eleitorais. Com o aumento de custo pela volta da propaganda no radio e na televisão, haverá necessidade de novo tipo de financiamento.
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O argumento do presidente do Senado, David Alcolumbre, de que as próximas eleições abrangem muito mais candidatos a vereadores e prefeitos dos 5570 municípios do que eleições gerais, e por isso é necessário mais dinheiro para financiar as campanhas, é “questão de matemática”, não resiste à questão política.
Um país que pede sacrifícios a seus cidadãos não pode dobrar o financiamento público para campanhas eleitorais. Como o valor do Fundo Eleitoral só será definido quando for aprovado o orçamento da União, é provável que os parlamentares revejam o financiamento das campanhas. Para tanto, será preciso aprovar uma emenda constitucional.
O problema está muito mais na regulamentação dessas doações, nas suas limitações legais, do que no método em si. O que atrapalha é a legislação eleitoral aprovada pela Câmara que, embora tenha tirado muitas das distorções da proposta original, manteve algumas.
Uma decisão pelo menos deve ser vetada pelo presidente Bolsonaro, ou pelo Supremo. É a que faz da lei da Ficha-Limpa letra morta, permitindo que candidatos disputem uma eleição mesmo sub-júdice. Teremos disputas jurídicas, e eleitos atuando sem uma definição da Justiça Eleitoral.
A dificuldade do veto presidencial, para não entrar em choque com a Câmara, foi reduzida pela posição conciliadora do presidente da Câmara Rodrigo Maia. Ao mesmo tempo em que apoiou a maioria, bancando as duas versões do projeto, admitiu que as pressões da sociedade foram importantes para ajustar certos pontos, e que o presidente Bolsonaro tem o direito de vetar. Não deu sinais, até o momento, de que a Câmara derrubaria os vetos, embora essa hipótese não seja descartável, tamanho o esforço que os parlamentares despenderam na aprovação.
Os deputados só pensaram em seus interesses eleitorais, Maia disse que aprovaram um projeto “bom para os partidos e as eleições”, o que é um erro de visão. A reação que provocou na opinião pública a primeira versão do projeto deveria ter mostrado aos deputados, como mostrou aos senadores, que jogadas em benefício próprio não são mais aceitas.
Além do quase fim da Lei de Ficha Limpa, o mais grave do que restou são decisões que, mesmo que não tenham sido tomadas com este fim, abrem brechas para uso ilegal do dinheiro público. Um exemplo disso é a permissão para que recursos do Fundo Partidário possam ser transferidos para qualquer instituto, desde que presidido pela Secretaria da Mulher.
Com os exemplos recentes de uso da representação feminina para burlar o financiamento eleitoral, transformando candidatas em “laranjas”, não há garantias de que essa transferência tenha destino legal.
Também permaneceu a permissão para que serviços advocatícios e de contadores sejam financiados por pessoas físicas, além do fundo partidário, sem limite de valor e sem contar para o teto legal permitido. Essa é uma brecha para o caixa 2, pois está revelado que esse tipo de serviço muitas vezes foi usado para lavar dinheiro da corrupção.
A retirada dos partidos da classificação de pessoas politicamente expostas tem uma alegação esdrúxula: partidos não são pessoas, e não podem estar nesta lista.
Algumas medidas têm razão de ser, como permitir que o dinheiro seja utilizado para pagamento de passagens a pessoas que não sejam filiadas. Os partidos têm que ter recursos, por exemplo, para convidar especialistas para debater assuntos que sejam objeto de projetos no Congresso.
Acho também razoável a permissão para que deputados que mudem de partido porque a legenda pela qual se elegeu não atingiu a cláusula de desempenho, aumentem o valor do fundo dos partidos que os receberem. Pela legislação, os votos individuais têm valor para a formação do fundo, e portanto devem ir para onde o candidato que os recebeu for.
Os demais se referem ao trabalho da Justiça Eleitoral, sempre no sentido de ampliar os direitos dos partidos. São decisões claramente corporativas que terão que ser acompanhadas com lupa para saber se a desburocratização não significa leniência com ilegalidades.
Fonte: “O Globo”, 20/9/2019