A primeira edição do projeto Millenium Papers acaba de ser lançada, com o estudo “Sob a espada do endividamento”, escrito por Jeferson Bittencourt, auditor Federal de Finanças e Controle e ex-Secretário do Tesouro, e por Bruno Funchal, professor titular da Fucape e ex-Secretário Especial do Tesouro e Orçamento do Ministério da Economia.
O Instituto Millenium entrevistou os autores que explicam com mais detalhes os principais pontos da análise. Ouça na íntegra!
Imil – Qual a relação entre dívida pública e crescimento de um país? Esta relação é igual no curto e longo prazo?
Jeferson – Os países que carregam uma dívida alta por muito tempo tendem a prejudicar o crescimento econômico no médio e no longo prazo. Às vezes é possível que um país tenha um crescimento de curtíssimo prazo, mesmo estando com um dívida alta, mas isso dependendo muito mais de questões conjunturais. No longo prazo, a tendência é que esse crescimento venha a ser comprometido, principalmente, em função de um PIB potencial menor. O PIB potencial é o que reflete a capacidade do país crescer de maneira estrutural, no médio e no longo prazo.
Bruno – Às vezes é feita uma política fiscal expansionista, o que acaba aumentando a dívida e gerando o que a gente chama de “voo de galinha”. Ou seja, é possível crescer muito no curto prazo, mas o crescimento de longo prazo é muito comprometido, e isso tem que ser evitado.
Imil – Como o aumento da dívida pública impacta também no aumento do empobrecimento da população?
Bruno – Empresas acabam investindo menos e, portanto, gerando menos empregos e renda. Também tem o fato de que mais recursos do tesouro são usados para pagar juros da dívida, o que é ruim para as finanças e ainda acaba competindo com a alocação de recursos que poderiam ser colocados em outras funções, em políticas públicas que beneficiam toda a sociedade, principalmente os mais pobres, que são os que mais dependem do Estado.
Jeferson – O que efetivamente reduz a pobreza no longo prazo é a capacidade do país crescer, investir, contratar pessoas, aumentar o nível de emprego e colocar a parte da força de trabalho em produção, recebendo salário. É claro que haverá um grupo de pessoas na população que precisam de medidas assistenciais, mas mesmo essas medidas assistenciais dependem do crescimento econômico, porque é ele que permite ao Estado ter uma maior arrecadação e possibilidade de oferecer políticas que amenizam a situação dessas pessoas que estão em situação de maior vulnerabilidade.
Imil – Como o alto endividamento afeta o ambiente de negócios?
Jeferson – No caso do Brasil, em particular, a dívida pública é uma dívida essencialmente doméstica, considerando a dívida bruta de todos os níveis de governo, 86% do total é em moeda local. E ao ter que rolar essa dívida no mercado interno, o que o governo está fazendo é tomando a poupança que é gerada internamente para financiar a sua despoupança. Com isso, sobram menos recursos para a iniciativa privada financiar os seus projetos que poderiam incentivar o crescimento, a acumulação de capital, e de novo aquele processo de geração de empregos e redução da pobreza.
Bruno – Como eu tenho uma dívida alta, ela acaba pressionando os juros, e como pressiona o juros, temos também o custo do dinheiro cada vez mais alto para as empresas. O que acaba reduzindo o número de projetos de investimento, que antes eram viáveis e passam a ser inviáveis, porque o custo de financiar este projeto fica alto demais.
Imil – Muitos afirmam que o endividamento do Estado não é um grande problema, já que a dívida de países desenvolvidos é maior que a brasileira. Também argumentam que como a maior parte da dívida pública brasileira é no mercado doméstico, refinanciar esta dívida é mais fácil. Como funciona essa lógica?
Bruno – De fato, uma dívida alta pode não ser um problema para os países que têm bastante credibilidade,que pagam juros menores. Os juros das dívidas do Brasil são altos, e uma dívida e um juros altos, é uma combinação muito arriscada. Então, qual é o grande dever de casa? Discutir melhorias institucionais que façam com que a gente reduza esse custo.
Jeferson – O fato da dívida essencialmente doméstica tem uma vantagem em termos do que a gente costuma chamar de risco de mercado. A dívida brasileira é muito menos exposta a choques cambiais. Por outro lado, tem o efeito que já foi mencionado, se a nossa dívida está essencialmente em moeda doméstica, isso quer dizer que essa competição entre Estado e setor privado pela poupança doméstica é muito mais acentuada.
Imil – Como o sistema tributário é afetado por uma dívida alta? Aumentar a tributação para cobrir o rombo das dívidas é uma opção?
Jeferson – Como a gente aponta no artigo, países com dívidas altas tendem a ter uma carga tributária mais distorcida, o que tende a prejudicar mais o desenvolvimento econômico. Temos um exemplo bastante concreto, há propostas tramitando no Congresso Nacional de tentar racionalizar o nosso sistema tributário, mesmo sem uma redução da carga tributária, que seria importante para incentivar o crescimento, essas propostas estão lá tentando dar mais racionalidade para o sistema tributário nacional.
Bruno – Tivemos na discussão da PEC 45, por exemplo, que em tese tinha o acordo entre os estados, de fazer como se fosse um seguro da União, ou seja, criar um fundo que compensasse os estados. Mas a União já está muito endividada, e ficou ainda mais durante a pandemia, não tem espaço para esse tipo de discussão. Esse é um exemplo de barreira que se cria quando a gente tem uma dívida alta.
Imil – Quais as melhores opções para conter o aumento da dívida?
Jeferson – Tendo instituições fortes, políticas públicas de qualidade, credibilidade na política fiscal, e um pacote de condução da política econômica que vai ajudar a dirimir os efeitos do alto endividamento sobre o crescimento econômico. Esse pacote é capaz, inclusive, de já dirimir esses efeitos antes mesmo do país conseguir uma redução mais expressiva da sua dívida, no curto prazo.
Bruno – Vou reforçar a importância do avanço institucional, das instituições que trazem credibilidade, principalmente as que olham para as regras fiscais. Tivemos um experimento positivo, desde o final de 2016 e 2017, quando começou a valer a regra do teto de gastos. Ela foi fundamental para experimentarmos um efeito positivo instantâneo, através da ancoragem da expectativa e da credibilidade com o juros caindo.