O País tem sido assombrado, há meses, pela revelação de irregularidades e ilegalidades no Congresso Nacional. Nas últimas semanas, tais revelações se concentraram mais em práticas do Senado.
De alguma forma, o clímax foi atingido esta semana com o discurso de José Sarney, durante o qual, em tom grandiloqüente, afirmou que a “crise é do Senado, não é minha”. O que, de si, não deixa de ter algo de verdadeiro.
Os abusos e desmandos que têm vindo à tona, levaram a Folha de S. Paulo (18.jun.2009) a assinalar em seu Editorial que “a sociedade brasileira se vê desarmada, assim, diante de práticas de comportamento que muitos de seus representantes vinham encarando como perfeitamente normais até agora”.
Lula repudia o “denuncismo”
Mas faltava nesse quadro traumático e desabonador do mundo político a pitada do presidente Lula. Apesar de se encontrar no longínquo Cazaquistão, Lula decidiu colocar em dúvida as revelações de irregularidades no Senado e repudiar o que qualificou de “denuncismo”.
“Eu sempre fico preocupado quando começa no Brasil esse processo de denúncias, porque ele não tem fim”, afirmou o presidente.
O “sempre” do presidente, entenda-se, é relativo, pois as preocupações de Lula com o chamado “denuncismo”, são de ocasião. Elas se manifestam quando as denúncias o atingem a ele, a seu círculo próximo ou a seus aliados. Mas quem o viu preocupado, quando estava na oposição, com as raivosas campanhas denuncistas promovidas pelo PT? Ou quem viu o Presidente manifestar preocupação com a campanha feroz de denúncias que o petismo leva a cabo, no momento, contra a governadora do Rio Grande do Sul?
Em suas declarações à imprensa Lula acrescentou: “Você vai desmoralizando todo mundo, cansando todo mundo”. E previu: “Depois não acontece nada”.
O já mencionado Editorial do jornal Folha de S. Paulo comenta a respeito: “Para ilustrar o processo, o presidente poderia ter mencionado o escândalo do mensalão, protagonizado por seu então estado-maior”.
Lula decidiu ir adiante: “Sarney tem história no Brasil suficiente para que não seja tratado como se fosse uma pessoa comum”, afirmou. O que será a “história suficiente” de José Sarney? Será o apoio quase incondicional a Lula? E perante a lei há, na ética lulista, as pessoas comuns e as incomuns?
Lula precisa de Sarney para eleger Dilma
As declarações enfáticas do presidente suscitam uma pergunta: o que motivou Lula, lá bem longe, no Cazaquistão, a fazer uma defesa tão enfática do Senador José Sarney?
Tudo indica que Lula precisa impedir um debilitamento do grupo político peemedebista de José Sarney e Renan Calheiros (outro envolvido em escândalos que o levaram, há menos de dois anos, a renunciar à Presidência do Senado). Antes de mais, porque tal grupo sustenta o governo no Senado e o presidente necessita estabilidade política no final de seu mandato, para se dedicar a eleger seu sucessor. Além disso, Sarney defende a candidatura de Dilma Rousseff e é peça chave para que o PMDB aceite fazer um acordo com o PT para tentar eleger a ministra.
O presidente Lula mostra assim a natureza de sua ética na política! Essa ética que tanto o PT utilizou no passado como bandeira para alimentar seu denuncismo.
Culpar o espelho pela imagem que reflete
Acabo de ler o artigo de Clóvis Rossi, na Folha de S. Paulo (18.jun.2009). Lula culpa o espelho é o título. Transcrevo-o, pela pertinência com que analisa a intervenção do presidente na presente crise:
* “Alguma surpresa com a defesa que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez do senador José Sarney? Quem pediu desculpas pelos “erros” cometidos pelo seu partido (na verdade, crimes), mas depois passou a mão na cabeça dos “errados”, quem se aliou a Fernando Collor de Mello, único presidente punido por falta de decoro, não poderia deixar de solidarizar-se com Sarney.
O que surpreende é a escandalosa indigência dos argumentos usados por Lula. Primeiro argumento: “Ele tem história no Brasil suficiente para que não seja tratado como se fosse uma pessoa comum”. Que besteira é essa, Deus do céu?
É a versão Lula do “sabe com quem está falando?”. Com história ou sem história, todo cidadão tem de ser tratado da mesma maneira. E os que têm história devem comportar-se ainda melhor do que os que não têm. Afinal, para usar um lugar-comum tão ao gosto de Lula, “o exemplo vem de cima”.
Segundo argumento: um suposto interesse em “enfraquecer o Poder Legislativo”. Outra bobagem sem tamanho. O que enfraquece o Poder Legislativo não são as denúncias, mas os fatos que dão origem às denúncias. Sem eles não haveria denúncias.
O Poder Legislativo, como os demais, só se fortalece se corrige os desmandos e abusos denunciados. Omissão é que o enfraquece.
Lula, no fundo, revisita a teoria debilóide e safada da conspiração que não houve contra ele.
Houve apenas uma conspiração dos fatos. Tanto que ele foi obrigado a pedir desculpas. Tanto que o procurador-geral da República denunciou toda a cúpula do PT como “quadrilha”.É, enfim, a velha tentação de toda pessoa investida de poder de culpar o espelho pela imagem que ele mostra. A favor de Lula diga-se que ele ao menos pediu desculpas, coisa que Sarney nem remotamente passou perto de fazer. “
A defesa feita por Lula do Senador José Sarney não é de estranhar. Afinal o Presidente defendeu reiteradamente, nestes dias, Ahmadinejad, o ditador iraniano, presidente do regime que lança instabilidade política no Oriente Médio com a difusão de sua revolução islâmica, que promove oficialmente grupos terroristas e leva adiante um obscuro programa nuclear.
Mas este é assunto para um próximo post.
(Publicado no Radar da Mídia)
É evidente que o Presidente Lula costuma se pronunciar em relação ao mundo real, sem sinismo ou subterfúgio. O Congresso não é ele, nem dele. Para governar ele precisa de tranquilidade e paz social, ao contrário de quem está desesperado ao aproximarem-se as eleições. E as denúncias contra ele foram apuradas, sim, execto se entendermos que a apuração devesse ter sido feita por um tribunal de excessão. As denúncias contra Sarney são contra Sarney, e afetam o congresso, não possuem origem no governo (em sentido estrito, no Executivo). Agora, ora se acusa Lula por omissão, ora por ação, de forma que ele deveria, para o prazer dos seus opositores, meter-se nas questões em que se desgastasse e ficar fora das que lhes dessem prestígio popular. Não se trata de pragmatismo, mas as nossas elites confundem escolaridade com inteligência.