Com a prisão recente de políticos do mais alto escalão, a história do combate à corrupção abriu um novo capítulo no Brasil. A impunidade de agentes públicos sofreu um duro e expressivo golpe no julgamento do Mensalão. No entanto, se um novo capítulo foi aberto com as condenações e prisões recentes dos mensaleiros em Brasília, a prudência recomenda que não se veja nele um substituto a todos os capítulos precedentes.
É ali que continuamos encontrando as práticas institucionais enraizadas que levam à corrupção, ou que servem como incentivos para que ela ocorra. Apesar de inúmeras – o que torna impossível eleger uma única prática ou estrutura como a culpada pela corrupção brasileira -, a propensão do cidadão brasileiro a delegar ao governo assuntos que poderiam ser melhor resolvidos por ele próprio é das práticas mais nefastas, além de irrefletidas.
A excessiva burocracia brasileira é, com seus incontáveis intermediários estatais, papeladas intermináveis e autenticações de firma para provar que o cidadão é de fato quem ele diz que é, um desses claros convites à corrupção. A concessão de alvarás fraudulentos, a falsificação de documentos oficiais e a sonegação de impostos são apenas três exemplos de possíveis consequências de um sistema que gera maus incentivos tanto para agentes públicos como para cidadãos.
A raiz desse problema reside justamente na delegação da nossa própria confiança no próximo ao Estado, deixando-o decidir com quem podemos negociar. Se o Estado disser que o papel ou assinatura mais insignificante não está em dia, o negócio não sai. Ingressamos assim em um ciclo vicioso, em que “mais leis” precisam ser criadas para combater os maus incentivos criados por “más leis”.
“Quando os homens são honestos, leis são desnecessárias; quando são corruptos, elas são quebradas”, escreveu Benjamin Disraeli. Parafraseando o estadista britânico oitocentista, para o brasileiro honesto a lei é vista hoje como estorvo; para o corrupto, como uma fonte de renda. É a tal arte de criar dificuldades para vender facilidades, que faz do o Brasil um dos países mais hostis ao empreendedorismo no mundo. Um país onde grande parte da renda produzida acaba sendo desviada nas propinas e favores que o brasileiro paga para quem se serve do público ao invés de a ele servir.
Como um “ponto” na história, a condenação e prisão recente de políticos de alto escalão são dignas de grande destaque. Entretanto, ainda que a prática dos delitos investigados tivesse incluído um forte e inédito componente ideológico, a falta de transparência, a certeza da impunidade e a promiscuidade entre agentes públicos e privados foram essenciais para que o esquema do mensalão se sustentasse. Tais fatores não podem permitir que comemoremos demais antes de analisarmos o cenário completo. Até porque o próprio esquema só foi possível em virtude da alta concentração de poder financeiro nas mãos do Estado, contratante de “serviços de publicidade”, sem que houvesse fiscalização, permitindo assim a lavagem de dinheiro sujo.
Tanto milionários crimes de colarinho branco como os pequenos subornos diários são potencializados por uma mesma mazela brasileira: a crença de que o agente estatal saberá prover melhor um serviço ao indivíduo do que se o próprio indivíduo o fizer. E isso quando sabemos que a transparência e a ineficiência no serviço público são antes regra do que exceção! Até quando continuaremos a enganar a nós mesmos?
No Comment! Be the first one.