A crise financeira dos estados, que atinge intensamente o Rio de Janeiro, Minas Gerais e o Rio Grande do Sul, é um filme conhecido, que vem sendo reprisado desde o início dos anos 1980. Os defensores de maior descentralização deveriam meditar sobre o assunto.
Todas essas crises têm origem semelhante. Combinam elevação temporária de receitas — tributos ou crédito — com elevação irresponsável de gastos de pessoal.
Em 1983, os governadores começaram seus mandatos com recessão na economia e arrecadação minguante. Descobriram, então, que os bancos estaduais não recusavam seus cheques sem fundos. O primeiro a recorrer a isso foi Leonel Brizola, do Rio, que quebrou o Banerj, o banco estadual fluminense.
Ao descobrir o rombo no banco, o Banco Central propôs a intervenção, o que levaria ao fechamento da conta do estado. Haveria suspensão de pagamento a fornecedores e funcionários. A Constituição da época previa a intervenção federal em caos orçamentário como seria esse. Implicava afastar Brizola, recentemente eleito, em plena transição para a democracia. Óbvio, nada foi feito. Outros governadores perceberam que poderiam fazer o mesmo. Foi uma hemorragia. Aprovou-se, em seguida, um programa de ajuda.
Em 1986, o boom de consumo provocado pelo Plano Cruzado inchou as receitas estaduais. Os governadores aproveitaram para gastar mais. Quando o plano fracassou, as receitas caíram, mas as despesas adicionais — com pessoal — não puderam ser reduzidas. Nova crise. O governo mudou a regra. As intervenções manteriam as agências abertas. Novo programa de ajuda aos estados foi criado.
Em 1994, o Plano Real criou ambiente semelhante. Os estados quebraram de novo. O novo programa de ajuda foi condicionado à privatização de empresas e bancos estaduais. A União assumiu as dívidas dos estados, mediante garantia de retenção, pelo Tesouro, de recursos dos fundos de participação, em caso de inadimplência. Em 2000, foi aprovada a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), incluindo um limite para gastos de pessoal.
Crise nunca mais, imaginou-se. Ledo engano. Surgiram os royalties de petróleo para estados como o Rio de Janeiro. O governo Dilma pôs-se a conceder aval para novos empréstimos. O filme se repetiu. Além do aumento de gastos de pessoal, governadores criaram artifícios para esconder despesas com o funcionalismo e assim cumprir o limite fixado na LRF. A maioria quebrou novamente. Vem aí novo programa de ajuda.
Está na hora de rever a LRF, fixar novos parâmetros para a gestão fiscal dos estados e municípios e criar severas restrições ao endividamento e à concessão de aval pelo Tesouro Nacional. A nova legislação fecharia as brechas na LRF e criaria novos mecanismos de fiscalização da gestão fiscal dos estados e municípios. Os tribunais de contas estaduais fracassaram nesse mister.
Está provado que a maioria dos governadores mete os pés pelas mãos quando dispõem de meios para expandir as despesas. Ainda estamos longe, infelizmente, de formar uma cultura favorável à descentralização responsável.
Fonte: “Veja”, 8 de março de 2017.
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