O golpe do “Fundo de Financiamento à Democracia” é tão grosseiro que deu vergonha até nos senhores deputados
Certas coisas conseguem ser tão agressivamente erradas na vida política brasileira, e deixam tão exposta a sua miséria para o público, que nem os próprios políticos arrumam coragem para fazer aquilo que estão querendo. Ou melhor: para fazer agora, quando há gente demais olhando. Mas vão continuar insistindo, claro, porque é contra a sua natureza fazer o bem de forma espontânea, ou praticamente de qualquer outra forma. Ficou arriscado, ou exagerado, ou visível demais, ou simplesmente chato aprovar algo em seu benefício direto e único? Então vamos deixar para um pouco mais adiante. É o caso desse prodigioso “Fundo de Financiamento à Democracia” que deputados e senadores inventaram para transferir dinheiro do erário para os próprios bolsos. Dizem que essa escroqueria vai servir para o “financiamento público das campanhas eleitorais”. Ela viria substituir com suas virtudes o sistema em vigor até agora, onde os empreiteiros de obras, fornecedores do governo, “campeões nacionais”, joesleys e outros tantos pagam aos políticos nas épocas de eleição para usá-los depois como seus serviçais, caso consigam se eleger. A lei seria aprovada agora na Câmara, sob a condução de um deputado do PT e o apoio de quase todos os demais, incluindo seus mais notáveis adversários. O golpe ficou tão grosseiro que resolveram adiar a sua aplicação.
O nome escolhido – “Fundo de Financiamento da Democracia” – já é um deboche. Quem pode acreditar num disparate desses? Trata-se de pura e simples doação de dinheiro do Tesouro Nacional para os políticos. Escolham o nome: roubo, extorsão, estelionato, o que for. Em qualquer caso, será sempre um crime legalizado. Os 35 partidos já recebem verbas do erário público – elas vêm do “Fundo Partidário”, que hoje custa ao pagador de impostos perto de 1 bilhão de reais por ano. Mas eles acham pouco. Estavam querendo, até a decisão de deixar a coisa para mais tarde, outros 4 bilhões, ou não longe disso – o tal fundo da “democracia”. Para isso, o deputado do PT que assumiu a paternidade do projeto decidiu que 0,5% do orçamento nacional passaria de agora em diante a ser propriedade dos políticos. O argumento é que se trata só de “meio por cento”. O que é um trocadinho desses, para manter em funcionamento nosso esplêndido regime democrático?
O trocadinho são os 4 bilhões citados acima. Se vão para os políticos, obrigatoriamente não poderão ir para mais ninguém – a quantidade de porções de 0,5% num conjunto de 100 é limitada. Não podem passar de 200, e a quantidade de demandas urgentes da população brasileira é muito mais que isso. Em todo caso, não passaria pela cabeça de ninguém que uma nova ajuda financeira aos políticos brasileiros está entre as 200 questões mais importantes do país.
Parece que os campeões do projeto desistiram dos 0,5% e estão tentando montar o fundo da “democracia” com uma verba fixa no orçamento. De novo, terão de tirar esse dinheiro da boca de alguém. O que sobra é uma das piadas de melhor circulação no país neste momento: com o “financiamento público” das campanhas, você será roubado agora para eleger os que vão roubá-lo depois.
Fonte: “Veja”, 24/08/2017
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