Para fechar o caixa no curto prazo sem ficar mendigando recursos à União, entes subnacionais precisam constituir fundos de investimento acoplados aos de pensão
No Fórum Nacional dos dias 21 e 22 deste mês (www.inae.org.br), direi que, sozinha, a PEC do Teto dos Gastos é um remendo difícil de se sustentar. Primeiro, porque o peso dos gastos cortáveis é cada vez menor. Descontada a inflação, a União projeta cortar o investimento em 71%, entre 2014 e 2018. Já São Paulo, estado líder, deve cortar o seu pela metade. Ou seja, em breve, vão zerar. É simples: quando vários itens têm crescimento liberado, fixar um limite para o gasto global é inútil.
A hipótese de o teto prevalecer em prazo mais longo, sob o efeito de reformas de regras como a da Previdência, acaba de se mostrar também com pouca chance de acontecer. Como as reformas tendem a ter foco no ajuste do Regime Geral, onde é maior o peso das classes de renda mais baixa, há sempre enorme resistência política para aprová-las.
Enquanto o mundo estiver muito favorável ao Brasil, ok. E se a onda virar?
Para se preparar para isso, é preciso entender, primeiro, que os governos enfrentam a confluência de um problema conjuntural e outro estrutural. Sozinha, a resolução do segundo não equaciona necessariamente o primeiro. E este, por definição, é mais urgente.
Diante da brutal recessão, sem caixa herdado e ante gastos ultrarrígidos, os entes públicos que não emitem moeda (estados e municípios) só têm a saída de atrasar pagamentos. Algo extremamente impopular, e que não se sustenta até o fim dos mandatos. Por lei, ao passá-los adiante — algo que ocorrerá ano que vem, no caso dos estados —, esses entes têm de zerar as dívidas decorrentes de atrasos. Se não, em tese, dá prisão. Já os municípios, como acabam de iniciar os últimos mandatos, conseguem empurrar o problema um pouco com a barriga. Enquanto isso, a União dribla esse problema por um tempo, emitindo moeda a rodo. Depois, alguém terá de dar um basta ou a hiperinflação volta.
Minha visão do problema estrutural é diferente da convencional. Em vez de se limitar à evolução do gasto total com pessoal, é preciso “setorializar” a análise. Aí se verá que o Orçamento é cheio de “donos”, donos esses que se recusam a pagar dois itens de peso, “inativos & pensionistas (I&P)” e “contribuição patronal”, mandando a conta para o titular dos respectivos Executivos, exatamente quem herda o orçamento residual. No Rio, estado em maior dificuldade, os “donos” abocanharam 74% da receita corrente que ficou em suas mãos em 2016 (inclusive outros gastos incomprimíveis), sobrando muito pouco para as demais obrigações.
Em parte, a pista para a saída está na própria Carta Magna. Apesar de os artigos 40 e 249 mandarem equacionar a Previdência pública, pouco se tem feito além de divulgar passivos atuariais gigantescos todos os anos. A própria União, que deveria dar o exemplo, está totalmente atrasada nessa tarefa. A Carta manda constituir um fundo previdenciário e lá colocar todos os ativos e recebíveis que forem possíveis, zerando depois o passivo atuarial com contribuições suplementares dos servidores e do ente público.
Além disso, é preciso impor aos “donos do Orçamento” o pagamento de suas próprias despesas com I&P e seu quinhão nas contribuições patronais. Para isso, terão de cortar outros gastos, exatamente onde haverá mais folga para tanto. O princípio é simples: se os servidores conseguem aposentadorias tão elevadas, eles e seus patrões diretos têm de pagar mais por elas.
Para fechar o caixa no curto prazo sem ficar sempre mendigando recursos à União, os entes subnacionais precisam constituir fundos de investimento acoplados aos de pensão. A aquisição de cotas desses fundos por órgãos como o BNDES, o que talvez seja inevitável no curto prazo, tem a vantagem de fornecer os recursos requeridos para equacionar os caixas respectivos ao liberar recursos que seriam usados para pagar a conta das aposentadorias e pensões, mas sem afetar a dívida pública líquida (ou o resultado primário). Isso se dá porque as cotas desses fundos servirão de lastro à emissão de dívida pública que suprirá os recursos. No caso do BNDES, ela já foi até emitida em anos anteriores, implicando que nem mesmo um novo aumento da dívida bruta tenderá a acontecer num primeiro momento.
Em última análise, o que se quer é abrir espaço para o investimento crescer, e com isso viabilizar a saída da recessão e um maior crescimento sustentável do PIB no futuro. Nesse sentido, há algo mais a fazer no que concerne às concessões de infraestrutura, especialmente as rodoviárias, tema permanente nos últimos fóruns nacionais e mais uma vez objeto de um painel específico no que vem à frente.
Aqui, o populismo tupiniquim produz um forte viés contra o investimento privado que precisa ser removido, apesar do anúncio de planos e mais planos requentados, com efeitos para além do mandato atual. E é lamentável que os Executivos, com todo o poder que detêm, não consigam convencer os órgãos de fiscalização de que, no atual quadro fortemente recessivo, as ideologias antiprivado têm de ser abandonadas em favor da volta dos empregos.
Fonte: “O Globo”, 11/09/2017
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