Por Caio Augusto
A necessidade de reforma da previdência não é nenhuma novidade. Mas toda vez que se toca nesse ponto ou em outro polêmico, a coisa fica complicada. Surgem diversos grupos de interesse que, com suas próprias razões, alegam que qualquer reforma implicará em perdas para toda a sociedade. Em totalidade não estão errados, mas se esquecem de apresentar uma verdade: perdem eles, grupos de interesse no tempo atual para que a sociedade, especificamente, a que vem nas próximas gerações, possam ter acesso a estes direitos.
Benefícios difusos são aqueles que toda a sociedade usufrui, mas não é possível determinar com exatidão quais serão os principais beneficiados. Esses benefícios não geram grupos de interesse por não serem efetivamente notados. Como proteção de fronteiras, ou o serviço de preservação do Ibama.
Sem sombra de dúvidas a questão previdenciária é a que mais ilustra como benefícios difusos são filhos órfãos de uma sociedade: o argumento principal de quem se opõe a ideia de que este sistema precise de uma profunda reforma (sendo pelo meio atualmente em discussão ou qualquer outro) é o de que as pessoas que contribuem hoje para ele já programaram de alguma forma suas vidas ao longo do tempo aguardando receberem o benefício e que, mudanças neste “ao longo do tempo” servirão para retirar este direito ao qual elas já esperam. A causa é justa, porém, deixar de levar em consideração que não realizar revisões de qualquer natureza no período atual pode significar o não recebimento deste direito pelas próximas gerações é uma espécie de egoísmo inter geracional.
Deixando de lado a questão entre o que seria direito adquirido e expectativa de direito [1], e olhando apenas a questão em termos de arrecadação e destinação de recursos, temos que há um desequilíbrio estrutural causado, dentre outros motivos, pela mudança da demografia brasileira.
Além da demografia em mudança, temos o descasamento entre a contribuição e o recebimento de recursos de diversos regimes previdenciários públicos diferentes: em muitos casos, recebedores das aposentadorias contribuíram pouco ou quase nada e, como seguem recebendo as aposentadorias apesar de novas mudanças dos que contribuem, acabam por fazer o déficit acontecer de fato [2].
Tendo em vista o panorama atual em que há descasamento já nos dias de hoje entre quem contribui com o sistema previdenciário e quem o recebe, por que ainda assim há dificuldade de se comunicar que este problema hoje complicado pode se tornar ainda mais complexo caso não seja ajustado de imediato? Uma das razões que pode explicar isso é que os benefícios da realização de uma reforma previdenciária são difusos e pertencem aos aposentados do amanhã, estes que não tem representação nos dias de hoje justamente por não estarem recebendo os benefícios.
Como proceder diante de uma questão como essas, em que há um problema a caminho mas ninguém está disposto a enfrentá-lo porque os benefícios não virão de imediato? Talvez o melhor caminho seja o de apresentar, em termos atuariais, fiscais e de capacidade de investimento do governo, quais são os efeitos de não se realizar um conjunto de mudanças sobre a evolução deste desembolso atualmente.
Apresentei esta reflexão sobre o que fazemos com o país no tempo presente e os efeitos para o futuro em artigo anterior [3], mas reforço: seguir na continuidade de uma estrutura que atualmente já apresenta déficit aguardando que um problema que já existe dê ainda mais sinais de que está presente é quase como enxergar uma casca de banana a alguns metros de seu caminho e pensar “que pena, vou cair daqui a pouco”. Se danos podem ser evitados, se direitos podem ser conservados e melhor estabelecidos ao longo do tempo para as próximas gerações, qual o motivo de não tomar atitudes que permitam que este caminho seja seguido?
Retornando ao caso econômico, que é o do reformar ou não reformar a previdência para garantir o acesso a esse direito pelas gerações futuras, Vinícius Carvalho Pinheiro já em 2001 apresentou uma dura verdade a ser enfrentada:
“O equilíbrio atuarial é uma espécie de bem público que interessa a todos, mas ninguém tem incentivo individual suficiente para lutar por ele. (…) Somente o aumento da transparência fiscal e da conscientização social a respeito de como se opera a distribuição de renda no orçamento público pode romper essa perversa lógica de ação coletiva.” [5]
A luta pelos benefícios difusos é silenciosa e costuma ser algo reservado aos visionários – no sentido ruim da palavra (loucos, lunáticos). Mas, simplesmente deixar de lado questões como essa e tantas outras que envolvem “ter agora todo o benefício ou distribuí-lo com o Brasil do futuro”, fará com que justamente no futuro a dificuldade para equalizar questões seja ainda maior.
Caio Augusto – Editor do Terraço Econômico
[1] Neste debate a diferença é discutida com detalhes. Em resumo, direito adquirido é aquele cujos esforços já foram realizados para que seja alcançado e expectativa de direito é a observância de alguém que está no processo de contribuição sobre um direito que terá caso contribua adequadamente pelo período pré-estabelecido: https://www.youtube.com/watch?v=LTVZXFwjOSM
[2] Este artigo levanta os marcos principais dos regimes previdenciários públicos no país e apresenta com maior nível de detalhamento como este descasamento entre contribuições e recebimentos impacta no déficit que observamos atualmente:http://revista.tce.mg.gov.br/Content/Upload/Materia/1333.pdf
[3] http://terracoeconomico.com.br/teto-dos-gastos-e-escolha-social-do-brasil-do-futuro
[5] http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rce/article/view/31826
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