O livro em que a companheira de cativeiro de Ingrid Betancourt, Clara Rojas, conta sua experiência de seis anos como prisioneira das Farc, mais parece um roteiro de filme de ficção, tamanha a incredulidade que desperta. Eu, prisioneira das Farc é o registro autobiográfico dessa resistente mulher que pariu um filho no meio da selva, foi afastada dele pelos guerrilheiros, e como nos contos de fadas, finalmente conseguiu encontrar a liberdade e reunir sua família novamente.
Os relatos dos anos que lhe foram roubados pelos guerrilheiros marxistas são muitas vezes chocantes. Rojas afirma, por exemplo, que “dormir em uma cama de tábuas (…) era um verdadeiro luxo”. Ela lembra: “[…] quando era hora de seguir caminhando pelo meio daquela selva terrível e densa, daqueles terrenos tão inóspitos, com freqüência o suor de minha testa se misturava às lágrimas. Eu me sentia no próprio fim do mundo e quase completamente sozinha”.
Após uma tentativa de fuga, eis o tratamento recebido dos guerrilheiros: “Colocaram em cada uma de nós, no tornozelo, um cadeado com uma corrente de uns três metros, que ficava amarrada a uma árvore, de modo que não podíamos nos movimentar. Só nos soltavam para ir ao banheiro; o resto do tempo ficamos acorrentadas como animais, inclusive durante a noite”. E ela desabafa: “Cheguei a me sentir o ser mais miserável sobre a face da terra, e aqueles guerrilheiros me pareceram os seres mais detestáveis que jamais imaginei conhecer”.
Mesmo grávida, perto de dar à luz, Clara Rojas não foi libertada, nem teve acesso aos enfermeiros da Cruz Vermelha, como havia solicitado. Ao contrário, praticamente morreu durante um parto no meio da selva, feito de forma totalmente irresponsável. Já em liberdade, ela precisou de várias cirurgias para “arrumar o estrago que me haviam feito em meu abdome com aquela cesariana de urgência na selva”. Após oito meses, mãe e filho foram separados, e Clara só iria reencontrar seu filho depois de três longos anos.
Sobre seus seqüestradores, eis o que nos informa Rojas: “Na maioria dos casos tratava-se de gente iletrada, jovem, com idade média entre 18 e 35 anos, dinâmica, com um nível importante de treinamento e disciplina militar, mas com pouca informação geral e nenhum conhecimento do país, do mundo, em suma, da civilização”. Além disso, ela acrescenta: “[…] todos eles são ensinados e estão acostumados a pensar que a única existência possível e o único futuro estão nas Farc, principalmente quando ingressam com pouca idade e se tornam adultos dentro da guerrilha”. Ou seja, inocentes úteis vítimas de lavagem cerebral seguindo a “ética” da barbárie. Seres humanos transformados em animais insensíveis, máquinas de violência.
O mais chocante de tudo isso, além da constatação de quanta barbaridade alguns seres humanos são capazes de realizar, é lembrar que os seqüestradores e assassinos das Farc ainda são tratados com negligência ou mesmo simpatia por alas da esquerda latino-americana. Quando não ajudam os guerrilheiros, como no caso de Hugo Chávez, governos esquerdistas se negam a reconhecer o fato de que as Farc representam um grupo terrorista. Durante o governo do petista Olívio Dutra no Rio Grande do Sul, o representante das Farc, Hernan Rodriguez, foi recebido pelo governador no Palácio Piratini. O Foro de São Paulo, criado pelo PT em parceria com grupos radicais de esquerda, considera “legítima” e “necessária” a luta das Farc. No Brasil, o embrião do que poderia ser chamado de Farb, o MST, é um aliado dos petistas, e apesar de inúmeros atos de vandalismo e violência, vários esquerdistas ainda chamam os criminosos de “movimento social”.
Para essa gente, os fins utópicos e revolucionários justificam quaisquer meios. Em nome da “justiça social”, todo tipo de injustiça, como a sofrida por Clara Rojas, acaba fazendo parte do sacrifício pelo “bem maior”. Afinal, para se fazer uma omelete é preciso quebrar alguns ovos, certo? O afastamento dessas pessoas das práticas mais básicas de humanismo parece total. Eles amam a Humanidade, mas não ligam mais para os homens de carne e osso. Um mundo novo é possível, e enquanto ele está em construção, vítimas inocentes como Clara Rojas e tantos outros deverão sofrer as conseqüências necessárias para esta magnífica obra: a construção do “novo homem”, um ser altruísta, totalmente abnegado, vivendo em prol da coletividade. Se para tanto o preço é virar um traficante de drogas, um guerrilheiro, um seqüestrador e um assassino, esse parece um preço que alguns estão dispostos a pagar. É a barbárie em ação!
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