Quando presidia a comissão de reforma política da seccional da OAB em São Paulo, tínhamos, nos três anos de seu funcionamento, sugerido algumas propostas para modificação do sistema eleitoral.
A mais ousada, que constou de livro que coordenei com 26 juristas, filósofos, cientistas políticos e sociólogos (“Parlamentarismo: Utopia ou Realidade”), objetivava ver encampado pelo Congresso o referido sistema.
Admitindo um período de transição entre o presidencialismo e o parlamentarismo, adotado por 19 das 20 maiores democracias do mundo, apresentamos alguns anteprojetos de lei. Nossas propostas incluíam a adoção de cláusula de barreira para redução do número de partidos, o voto distrital misto, a fidelidade partidária e o rígido controle do financiamento privado das campanhas.
Opusemo-nos ao voto em lista para não eternizar, no Legislativo, caciques e donos de siglas sem densidade eleitoral.
Também não admitíamos que, no curso do mandato, o parlamentar eleito passasse para outro partido. Poderia deixar o seu, mas ficaria sem legenda, o que acarretaria a inviabilidade de concorrer a mandato imediatamente posterior. É o que acontece em Portugal.
Quando Michel Temer (PMDB) sugeriu, ainda então como vice-presidente, o distritão, fui favorável a sua aprovação. Se um país não tem partidos políticos, mas meras legendas que se multiplicam como cogumelos, nada mais natural que o mais votado seja o que melhor represente o eleitorado.
No distritão proposto por Temer, São Paulo, por exemplo, teria direito a 70 deputados, que seriam os que conseguissem mais votos -isto é, aqueles considerados pela população como os que melhor poderiam representá-la.
Os suplentes desses deputados não seriam os de sua legenda, e sim os também mais votados pelos eleitores, com o que a representação no Congresso, nas Assembleias Legislativa e nas Câmaras Municipais caberia àqueles que tivessem merecido dos eleitores suas indicações.
Donos de partidos sem densidade eleitoral, que buscam puxadores de votos para elegerem-se, perderiam espaço. Não haveria a injustiça de candidatos com expressiva votação serem preteridos por outros com votos inexpressivos, por força de popularidade de cidadãos convidados para este ou aquele conglomerado partidário.
Na minha avaliação, todavia, para fortalecer legendas com políticos autênticos, e não com aliciados conquistadores de votos, a fidelidade partidária teria que ser efetiva, pois seria a única forma de valorizar tanto o vínculo dos candidatos com sua agremiação quanto a vontade popular, que veria os mais votados tornarem-se de fato seus representantes nas Casas Legislativas.
Embora sobre esse ponto a comissão não tivesse deliberado, havendo respeitáveis opiniões contrárias, como a de Nelson Jobim, decidimos, à época, que a matéria deveria ser mais debatida.
Agora que o tema volta à discussão -e já não mais presido aquela comissão-, entendo, como um velho professor aposentado de direito constitucional, que a solução proposta seria a ideal para o país.
De resto, o distritão – termo que, por sinal, não me agrada – serviria para, naturalmente, criar uma cláusula de barreira, com a eliminação gradativa de “legendas comerciais” para concessão, mediante espúrios acordos, de benesses variadas.
Que a vontade popular seja respeitada, merecendo representá-la sempre o mais votado, seja nos cargos majoritários, seja nos proporcionais, com fiel e real vinculação a seu partido.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 06/08/2017
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