Decidi que irei subir a Haddock Lobo na contramão. As disposições da CET não devem ser consideradas, pois contrariam a Constituição Federal, artigo 5º, inciso XV, que estabelece a liberdade de locomoção. Aliás, a Declaração Universal de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, deixa claro que toda pessoa tem direito à liberdade de locomoção, o que reforça a minha interpretação da CF e me libera automaticamente de todas as multas que possam ser aplicadas.
Concordam? Desconfio que não.
Não bastasse o absurdo generalizado do primeiro parágrafo, a verdade é que, muito embora eu possa interpretar a CF da maneira que quiser, a única instituição capaz de fazer valer sua própria interpretação do texto constitucional é o Supremo Tribunal Federal. Podemos gostar (ou não) da hermenêutica do STF, mas a palavra final, conforme estabelecido pelo regramento básico do país, é dele, não minha, nem de qualquer outra pessoa, ou instituição.
Isto é óbvio, claro. No entanto, recentemente a Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) orientou seus filiados a não obedecer às mudanças estabelecidas pela reforma trabalhista (lei 13.467/2017) aprovada este ano pelo Congresso Nacional, e que deverá entrar em vigor no dia 11 de novembro. Segundo alguns juízes, preceitos da lei contrariariam a Constituição, bem como acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário.
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Isso dito, trata-se apenas de opinião de juízes (e, em alguns casos, procuradores) da Justiça do Trabalho. Posso estar perdendo algo, mas, até onde sei, nenhum deles faz parte do STF, e, mesmo se fizessem, não houve nenhuma manifestação do Supremo quanto à constitucionalidade da lei. Sua opinião a respeito vale, do ponto de vista jurídico, tanto quanto a minha acerca de conduzir meu carro sem consideração pelas regras de trânsito, ou seja, nada.
Fosse este um caso único, o dano ainda poderia ser limitado, ainda que a incerteza apenas em torno do mercado de trabalho ainda possa fazer um estrago considerável. O problema, porém, não se resume a um exemplo solitário. A incerteza jurídica, ou melhor, institucional, é pervasiva no país, abrangendo do mercado de trabalho à questão ambiental, passando por quebras de contratos em setores privatizados, ou concedidos à iniciativa privada, entre outros.
Não se trata simplesmente de termos regras ruins; em tal caso o investidor incorpora a regra ao seu planejamento e preços refletem sua qualidade. Em muitos casos, porém, não há como saber ao certo se as regras acertadas entre as partes (boas ou ruins) serão devidamente aplicadas. Neste contexto não há como investidores – e notem que aqui pouco me preocupa se falamos de nacionais ou estrangeiros – determinarem taxas esperadas de retorno, porque estas dependem do conjunto de normas efetivamente vigente, desconhecido no caso.
O resultado é pouco investimento e baixo crescimento, em linha com a teoria econômica, que aponta para a qualidade das instituições como o fator determinante da prosperidade, proposição corroborada pela evidência empírica disponível.
À luz do desempenho nacional dos últimos 40 anos (crescimento de 1% ao ano da renda per capita), o que parece uma teoria abstrata se torna subitamente uma realidade para lá de dolorosa.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 25/10/2017.
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