Independentemente do método empregado para que um império se instale como regime de governo em um Estado, por certo não ocorrerá em questão de horas, dias ou semanas. De fato, ainda que se considerem golpes e revoltas nos quais a velocidade de tomada da máquina administrativa e suas funções de poder mostrou-se acelerada, o movimento em si com suas causas e colaborações levou anos, nem sempre décadas, mas anos.
Para estudar o objeto desta breve proposta está a se sugerir a divisão dos últimos 20 anos de governo no Brasil, em termos de comunicação dos representantes para com os representados, ou seja, dos políticos eleitos para com seus eleitores, em dois momentos.
O primeiro momento, compreendido nos iniciais dez anos, foi voltado à escolha dos integrantes do Poder Executivo e do Poder Legislativo, os quais, conscientemente, deixaram de abordar problemas polêmicos, dando ênfase no pouco que faziam de prático com as verbas sob seus cuidados. O resultado de desviar algumas verbas do erário, desprezar a transparência para com o eleitorado e negar a existência do desamparo social custou caro: a condição de mantença no exercício do poder verificado nos últimos 150 anos, até então.
O segundo momento, obviamente contido nos últimos dez anos deste sugerido período, é expresso exatamente pela falta de expressão da verdade. Durante os dois mandatos iniciais do Partido dos Trabalhadores a opção foi o populismo. A estratégia é falar de tudo, quanto mais polêmico e popular, melhor. Falar de muitos planos, como o da aceleração, do crescimento ou dos Direitos Humanos, sem na verdade realizá-los.
Quando as notícias tratavam de denúncias de corrupção, abusos ou ineficácias, diferentemente dos agora opositores, não calaram – simplesmente negaram: isso não existe, aquilo eu não tenho conhecimento, e assim por diante, mesmo com provas documentais incontestáveis.
Quanto ao Poder Judiciário e seus empossados, no primeiro período trataram de postergar grandes decisões e se deram por incompetentes em outras. No segundo, adotaram postura de auxiliares da administração pública, já que a renovação de seus quadros se fez durante os últimos 10 anos citados. Assim, inocentaram corruptos e corruptores, deram cargos aos condenados por improbidades, e fizeram da Lei da Ficha Limpa anedota entre as diversas quadrilhas de uns tantos parlamentares.
Em dias mais próximos, os magistrados do Supremo Tribunal Federal, órgão máximo do Judiciário e Guardião da Constituição Federal do Brasil, conforme artigo 102 da Carta Maior – “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição” – mandaram calar a imprensa em processo judicial no qual o filho do Presidente do Senado e do Congresso Nacional figura como corrupto e corruptor. E não há como esquecer o projeto de lei que pretende impedir a imprensa de divulgar informações a respeito de inquéritos criminais e métodos de investigação, próximo de ser aprovado.
Parece correto afirmar que nenhum dos movimentos acima descritos é fruto do acaso ou de uma mudança de postura inconsistente com a campanha da atual presidente, de seus valores pessoais, seu partido e seus aliados. Nos dois anos que antecederam a eleição da atual chefe de Estado e de governo do Brasil, o que mais se observou foi o silêncio. A campanha continuou repetindo parcelas de planos e promessas mínima e cirurgicamente executadas para servir de propaganda e palanque.
Nada de opiniões, nada de satisfações, nada de explicações sobre o passado tumultuoso e obscuro, nada sobre a vida pessoal, nada sobre algo realmente cotidiano e importante. Nada de debates longos ou entrevistas contendo pontos controversos.
A tática funcionou. O eleitorado aparenta ter optado por viver a parcela do sonho prometido e ignorar a impossibilidade de realizá-lo dentro de um mínimo satisfatório. Ocorre que uma vez eleito o atual governo, o exercício do poder foi entregue aos seus agentes. E se o silêncio era uma necessidade tática, agora é uma regra de conduta a ser legislada como imposição ao mesmo povo quase desavisado. Quase.
Está claro que deputados e senadores, mais próximos do centro do poder instituído, aprenderam com destreza o funcionamento do novo sistema implantado. Além de pseudo-sabatinarem Ministros para os Tribunais Superiores e para o Supremo Tribunal, formam coligações dentro e fora da base política do governo, base esta que inexiste na prática, pois que nem a oposição consegue aprovar sequer uma Comissão Parlamentar de Inquérito contra inegável enriquecimento ilícito e falta de ética de seus membros, com destaque para um deles, até pouco ministro de estado.
O controle externo ente os três poderes elaborado por Montesquieu na tripartição original das funções do Estado, deixou de existir em território nacional. Não se controlam ou se fiscalizam, apenas buscam se justificar uns aos outros, uma grande família nos moldes sicilianos.
Congressistas, responsáveis por elaborar, analisar, promulgar e publicar projetos de lei, demonstram claramente para onde ruma nosso amado país. A ganância voltada à Copa do Mundo de Futebol e às Olimpíadas já mira os projetos de construção, acessos, hospedagem e tantos outros. Primeira providência: tornar sigilosos os gastos com tais empreendimentos.
É preciso focar para entender melhor? Que seja. Obras públicas bancadas com tributos pagos por contribuintes, dinheiro retirado de holerites, honorários, salários, remunerações, ou seja, do trabalho digno de cada cidadão de bem, não poderão ser acompanhados abertamente pela população. Não é que o projeto de lei é inconstitucional apenas, é que algum eleito conseguiu colocar em votação um projeto de lei com esse objetivo e a discussão existe! É o absurdo do absurdo do dadaísmo, caso isso fosse possível.
Seja o indivíduo considerado rico, emergente, classe media velha ou nova, ou ainda pobre, é mais um contribuinte. São pessoas que enchem os cofres públicos com boa parte de seus ganhos. E agora, olham para as manchetes dizendo que obras públicas não precisam ser explicadas publicamente, ou seja, o recado é: “Paguem seus impostos. O que nós faremos com eles não interessa e se interessar, não será prestada qualquer satisfação.” Tudo isso previsto em lei, lei formulada e aprovada por pessoas diretamente eleitas. Logo, a quem reclamar?
O ponto que vale a pena ressaltar é o de que adianta reclamar sim. Deputados, vereadores, senadores, prefeitos, governadores e demais cargos eletivos mantidos com e para as verbas do povo, ou seja, os tributos, podem ser questionados a qualquer momento e sem custo algum. São as Ações Populares, com direito à Representação aos Tribunais de Conta ao mesmo tempo. Nenhum desses instrumentos exige recolhimento de custas ou nos ameaça com o pagamento de verbas caso não se encontre nada. Logo, basta uma denúncia com boas evidências e muito político corrupto, muito projeto fajuto, acaba por fracassar.
Se o indivíduo paga seus tributos, ou se deles é isento por merecimento, tem direito à voz. Tem direito a exigir o que lhe é devido – dignidade da pessoa humana, no mínimo quanto á transparência das contas do Estado no que se refere à utilização e eficiência do investimento sob sua guarda. República não é um rótulo. É a tradução de “coisa pública”, bem pertencente ao povo.
Se as pessoas livres que formam o Estado Brasileiro se deixaram quedar no silêncio de uma campanha populista e, logo depois disso aceitaram a evolução do silêncio para a mordaça, nada impede que despertem e percebam que o que é cômodo hoje, é avassalador amanhã, e o nosso amanhã está perto demais.
No extrato do pensar, é tão simples perceber quando o foco está ajustado ou não. Países desenvolvidos e ricos publicam suas contas – arrecadação X gastos públicos – todo ano, a fim de que os que pagam (contribuintes) julguem se as verbas foram ou não bem utilizadas. Os países eternamente em desenvolvimento como o Brasil, não publicam nada, e muito menos quanto arrecadam e no que as verbas são ou não aplicadas.
O Brasil é você, o Brasil sou eu. O Brasil é qualquer pessoa brasileira. O Brasil é um sujeito que quer ser feliz, competente, respeitado, parceiro, amigo, confidente, alegre, pulsante. Para isso, o Brasil precisa fazer apenas o que pode fazer, sem prometer o que não pode. Não pode fazer discurso exibindo o mínimo realizado quando o plano total jamais será atingido. O Brasil globalizado não tem mais lugar para “jeitinhos”. Alguns representantes hereditários ainda acham que sim.
É nesse ponto que se faz necessário alertar. Instalou-se no país a doutrina do silêncio. Antes a doutrina da mentira dourada, das promessas e planos impossíveis – serviram para manter no Poder quem a ela desse sequência igual ou pior. Hoje, a imposição de não falar nada. Nada sobre nada. E os projetos de lei devem garantir que menos ainda será falado, até mesmo a respeito de princípios constitucionais como dignidade da pessoa humana, liberdade de expressão, publicidade de atos e contas públicas ou motivação e oportunidade (justificativa) de gastos públicos, entre outros.
Se o Brasil tem se mostrado boa opção de investimento estrangeiro como é publicado, é por conta da eficácia da iniciativa privada e dos tributos exorbitantes recolhidos ao Estado corrupto e incompetente. Mesmo assim, o governo abafa seus subordinados e produz normas para que se fique calado e que nem ao menos se tenha direito de saber como o dinheiro em forma de tributos é e será gasto pelo Estado.
O povo deve pagar tributos segundo a norma. O Estado e seus agentes, contudo, não estão mais sujeitos a dar qualquer explicação de quanto, quando e onde essas verbas são ou não empregadas. Fascismo? Nazismo? Stalin? Coreia do Norte? Taliban? Todos tão semelhantes. Mas, cuidado, os dias de liberdade em se dizer algo assim estão contados. Já que o povo brasileiro se acomodou no marasmo do conformismo, que se consagre em praça pública – somos uma promessa real, uma potência latente, o pulmão do mundo, a horta da humanidade, e, acima de tudo, somos calados, passivos e pacíficos, somos os súditos do Império do silêncio. Eu, não. E você?
Nem eu, meu caro. Não canto no coro dos contentes. Mas me preocupa o conformismo da massa. Como aumentar a corte dos súditos da cidadania? No momento, parece que somos uma grande minoria. Muita gente revoltada, mas sem saber o que fazer.
O artigo é muito bom. Expressa a realidade de um povo acomodado. Concordo plenamente com os dizeres. Parabéns.
Ótimas colocações como sempre. Mas como conscientizar essa massa que não luta por seus direitos e acha que só tem deveres!!!! Um abraço
Esse termo é muito preciso Miriam: Coro dos Contentes. Também me preocupa o conformismo da massa, mas você sabe que os políticos estão tão acomodados onde estão e com a sujeira que fazem, que estão desprezando as massas. E isso terá consequências – assim desejo! Enquanto isso, vamos investindo em conversar mais com amigos, com filhos de amigos, com alunos e etc…
Muito agradecido Francisco. Vamos trocando ideias!
Fabiana, agradeço suas palavras, são sempre um incentivo. Eu penso que todos nós somos de alguma forma alunos e professores durante toda a nossa vida. Aprendemos e ensinamos pequenos e grandes gestos de solidariedade e cidadania todos os dias. Vamos chamar mais a atenção dos que nos rodeiam – conhecidos ou não – para essas oportunidades de aprimoramento. Pode ser em casa, no trânsito, no mercado, em qualquer lugaar. É um começo – dar um bom exemplo e seguí-los também! Abraço e ótima semana.
O grande problema é como comover a nova classe D e a nova classe C, que antes nada possuíam e hoje vislumbram uma esperança. A comoção para que haja uma “revolução” nesse sentido necessita principalmente de opressão do Estado a grande massa populacional, o que não ocorre de fato a essas classes hoje em dia. Assim, concordo e acho brilhante o artigo escrito, no entanto não vejo uma solução no fim do túnel para o termino do canibalismo fiscal.