A reforma da Previdência começou a andar com a aprovação do relatório da respectiva comissão na Câmara, mas a resistência vai continuar. Mudanças que mexem no bolso das pessoas ou alteram para pior suas expectativas são sempre impopulares. O argumento de que sem elas a vida vai piorar dificilmente conquista apoio. Por isso, reformas desse tipo precisam ser comandadas por líderes com grande estatura moral e elevado poder de convencimento.
A resistência varia de país a país, mas no Brasil vários fatores explicam por que a rejeição é maior. Vejamos uma lista deles:
1) O governo teve dificuldade em explicar a reforma de maneira didática;
2) O presidente Temer comanda um governo de transição e não tem liderança do tipo convincente, que conquista mentes em favor de mudanças complexas;
3) A crise econômica, o desemprego e o escândalo de corrupção desvendado pela Operação Lava-Jato predispõem as pessoas contra o governo;
4) O cidadão comum não aceita que um governo com muitos de seus membros envolvidos no escândalo tenha autoridade para exigir sacrifícios da população;
5) Durante muitos anos, diferentes governos afirmaram que a Previdência é um grande programa social e fonte de redistribuição de renda;
6) Na verdade, a Previdência é um seguro-velhice vinculado a contribuições e regras que o tornem sustentável, mas a ideia equivocada pegou. Como convencer agora o distinto público que o governo não está tirando direitos?
7) A grande maioria comprou a ideia errada de que não há déficit na Previdência;
8) Fiscais da Receita Federal vinculados ao seu sindicato sustentaram que não havia déficit. Bastaria cobrar os quase R$ 500 bilhões da dívida ativa, tarefa a cargo de procuradores da Fazenda. Se os próprios técnicos do governo dizem isso, muitos imaginam, alguém está faltando com a verdade;
9) Quem estuda o assunto a sério sabe que não é bem assim. Os maiores devedores são empresas que nem mais existem, como a Varig, mas o argumento foi bem-sucedido;
10) Disso se aproveitaram demagogos e analistas de má-fé para sustentar a inexistência do déficit. O argumento disseminou-se redes sociais, aumentando a rejeição.
A reforma pode ser aprovada, mas na base do toma-lá-dá-cá e dos votos de parlamentares conscientes, e não do apoio da maioria da população. Daqui a alguns anos, se ela passar, será maior a percepção de que era mesmo necessária. Agora, há razões para a maioria da sociedade rejeitá-la, ainda que insubsistentes.
Mesmo que aprovada, a reforma não será suficiente para resolver o nosso grave problema fiscal. Outra reforma será necessária mais à frente. Talvez, então, encontremos uma sociedade e políticos mais esclarecidos.
Fonte: “Veja”, 8 de maio de 2017.
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