Vale discutir, sim, a privatização da Petrobras, mesmo que a arraigada rejeição à ideia seja um empecilho. De fato, a estatal, uma vaca sagrada, é tida como símbolo de soberania e orgulho nacional. O petróleo seria um bem estratégico que só o Estado pode explorar, alega-se.
Tudo isso é discutível. Roberto Campos afirmava que petróleo não tem a importância que se lhe atribui. Não passaria de mercadoria pegajosa e fedorenta. Estratégico para a nação, ele poderia ter acrescentado, é ter educação de qualidade e instituições sólidas. Nenhum país ficou rico com petróleo. A Suíça enriqueceu sem uma gota do óleo em seu território.
Durante anos, até países desenvolvidos tinham o petróleo como bem estratégico. O Japão atacou Pearl Harbor, entre outras razões, por temer que os Estados Unidos cortassem seus suprimentos do Pacífico. O Reino Unido estatizou a British Petroleum (BP) em 1914. Países nórdicos criaram estatais petrolíferas. O México e países da África e do Oriente Médio estatizaram empresas de petróleo. Já os Estados Unidos, hoje novamente o maior produtor mundial, nunca abraçaram a estatização.
A globalização, a paz mundial e novas reflexões mudaram a visão sobre o petróleo. O Reino Unido privatizou a BP. Outros países abriram o setor ao capital privado, nacional e estrangeiro.
O petróleo vira uma maldição quando governos o usam em políticas públicas desastrosas e políticos dele se valem em esquemas de corrupção. A Venezuela é o melhor exemplo dos tempos atuais. No nosso caso, o escândalo de corrupção da Petrobras configura uma variante da maldição.
Mesmo assim, permanece a mística do “petróleo é nosso” que nos anos 1950 influenciou a criação da Petrobras. Fernando Gabeira comparou o mito à situação do soldado japonês Hiroo Onoda, que ficou escondido nas Filipinas por trinta anos sem perceber que a II Guerra havia acabado. Continuou pronto para resistir (O Globo, 24/1/2016).
A Constituição de 1988 ampliou o monopólio estatal do petróleo, em boa hora eliminado no governo FHC (Emenda Constitucional nº 9, de 1995). A Lei do Petróleo (1997) criou o regime de concessão para a sua exploração, o que atraiu expressivos investimentos privados, daqui e do exterior.
Nos governos do PT, a descoberta do pré-sal inspirou uma recaída: a substituição do regime de concessão pelo de partilha, típico de países de instituições fracas. A megalomania fez da Petrobras operadora única, com pelo menos 30% em cada poço. A falida norma de conteúdo nacional mínimo foi ressuscitada, impondo custos desnecessários. O preço dos combustíveis foi controlado para disfarçar efeitos inflacionários de erros de política econômica. A estatal tornou-se vítima de grave e inusitada corrupção sistêmica.
Foi o maior desastre da história da Petrobras. A empresa caiu posições no mercado de petróleo, acumulou gigantesca dívida e amargou grandes perdas financeiras. Seu prestígio internacional despencou. Na prática, foi privatizada em favor de grupos que dela se serviram para traficar influência, financiar projetos políticos e enriquecer. Dificilmente a catástrofe teria acontecido se a Petrobras fosse uma empresa privada.
A privatização da Petrobras deve ser discutida no contexto da tendência rumo a uma economia de baixo carbono, em que diminuirá substancialmente a importância do petróleo como fonte de energia. Como dizia o ministro do Petróleo da Arábia Saudita, Armed Yamani, “a Idade da Pedra não acabou por falta de pedra”.
O Brasil e os funcionários da estatal ganhariam com a privatização. Para tanto, a Petrobrás poderia ser dividida em várias empresas e por segmento de atividade. Mauro Rodrigues da Cunha e José Guimarães Monforte, ex-conselheiros da estatal, defenderam esse modelo em excelente artigo (Valor, 22/1/2016). A ideia é reinventar a Petrobras. Na verdade, é preciso ousar mais, privatizar, por que não?
O que importa para o país, ao contrário do que pensam os perdidos nas Filipinas brasileiras do “petróleo é nosso”, é o resultado da exploração e não quem controla o capital da Petrobras. A privatização não eliminaria a vantagem de possuirmos petróleo nem o uso dos royalties em programas sociais.
Fonte: Veja.
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