Está claro que o povo brasileiro quer mudança. Em meio a tantas reformas clamadas está a da educação. A educação precisa mudar. Por quê? Porque está mal de resultados, de instituições, de políticas. E pior: porque ainda nem começou a mudar. Vejamos.
A educação está mal de resultados. No plano internacional sabemos disso pelos resultados do Pisa, que nos põem entre os piores países que participam do exame. Também estamos mal no ranking das universidades e fazemos feio quando expomos a vexame jovens que vão para países cuja língua não falam, só para preencher cotas do Ciência Sem Fronteiras. Estamos mal porque, por falta de educação adequada, as desigualdades estão aumentando: na única etapa em que a educação avançou um pouco, de 2007 a 2009, nas séries iniciais do ensino fundamental, os alunos das classes B e acima aumentaram mais de 30 pontos, mas os das classes abaixo, menos de 5 pontos – a desigualdade aumenta. Estamos mal porque nosso ensino médio, voltado para o vestibular, reprova metade dos alunos que nele conseguem entrar e os condena ao contingente dos “nem estuda nem trabalha”. Estamos mal porque dobramos os gastos com educação nos últimos dez anos, mas isso não se refletiu nos resultados – o que comprova que o investimento foi mal feito, como no caso do Pronatec, programa de mais de R$ 4 bilhões cuja taxa de desistência se estima em 60% e que até agora não apresentou resultados.
Estamos mal de instituições. O aparelhamento que tomou conta do governo também tomou conta da educação. Passamos a viver numa época do pensamento único, em que falta debate e há temas proibidos – sobretudo os que podem desagradar a qualquer interesse corporativo. Os vários conselhos e órgãos colegiados tornaram-se povoados por representantes de interesses corporativos, o que liquida a priori qualquer possibilidade de atuarem de forma isenta, menos ainda em prol do bem comum.
O peso e a capacidade operacional do governo federal liquidaram o pacto federativo, como se tornou patente no episódio do estabelecimento do piso salarial do magistério. O problema não é o piso, é criar obrigações para as instâncias subnacionais. Em outro episódio, obrigou-se o Inep a enviar os resultados da Prova Brasil para a Casa Civil antes de divulgá-los, enfraquecendo a instituição da avaliação. Também nos faltam instituições adequadas nas áreas fundamentais da pedagogia, como currículo e formação de professores. Temos poucas na área de avaliação e quase nada na gestão. E praticamente nenhum foro ou tolerância para qualquer tipo de debate sobre educação: o pensamento único impede o desenvolvimento de uma cultura da educação.
Estamos mal de políticas. As políticas públicas foram substituídas por programas que seguem uma sequência uniforme, previsível, inexorável e fadada ao fracasso. Primeiro acertam-se as ideias, sempre dentro de casa. Em seguida se abre um “debate amplo”, devidamente controlado pelo aparelho que tomou conta do Estado. Eventuais divergências são contornadas pela pressão política, econômica e, mais comumente, pela cooptação. E depois, dá-lhe bolsas! – há bolsas para cooptar todos em todos os segmentos. O mecanismo de repasse de recursos do Plano de Desenvolvimento da Educação elaborado por estados e municípios para refletir suas prioridades, que foi criado para substituir o “balcão” de favores, tornou-se objeto de vendas cruzadas capazes de fazer o Cade corar: para receber recursos previstos no seu plano o cliente precisa “levar” sua cota de creches ou ônibus escolares ou adotar o programa tal e qual. Por exemplo, o governo federal gaba-se de que um de seus programas foi pactuado por mais de 5.500 municípios. Mas se esquece de informar a que custo foi conseguido esse “pacto”. Enquanto a lei de licitações cria dificuldades, o governo “vende” facilidades para comprar ônibus escolares que custam três vezes mais que nos países desenvolvidos ou camisetas escolares com chips para entrar em escolas que nem sequer têm portões. Estima-se que, dos mais de R$ 60 bilhões de recursos repassados pelo governo a estados e municípios, menos de R$ 10 bilhões sigam via Fundeb. A maioria acaba sendo recurso repassado de forma discricionária.
O caso do Mais Educação ilustra muitas dessas mazelas que o Brasil quer e precisa mudar. Ele constitui a epítome da descaracterização do pacto federativo. Trata-se de um programa criado para estimular a oferta de educação integral. O termo já é ambíguo: não é escola em tempo integral nem ensino em tempo integral. É algo indefinido. Em vez de estabelecer políticas – que num caso desses precisaria de um horizonte de ao menos 10 a 15 anos -, tudo se faz na correria: é para ontem, há metas a cumprir, cotas a preencher. Em vez de estimular as redes de ensino a desenvolverem políticas sustentáveis, o governo federal vai diretamente às escolas e lhes oferece incentivos para fazerem seus “puxadinhos”, para o que recebem uns trocados. E depois de se acertarem com o MEC, sem consultar suas secretarias, as escolas vão procurá-las para prover recursos para transportar alunos, dar-lhes almoço, espaço físico e todo o resto.
A educação está mal porque não começou a mudar. Uma reforma da educação requer um consenso mínimo da sociedade a respeito do que seja a escola. Não temos uma cultura da educação e uma cultura da escola – o pensamento hegemônico não permite que isso exista -, vide o currículo e a bibliografia das faculdades de Educação. A escola que serve para tudo não serve para nada. Não temos currículo, porque no espaço permitido para o “debate” não se podia falar em disciplinas. E por isso não temos cultura e instituições para tratar do essencial: a formação do professor e a criação de carreiras que atraiam e mantenham no magistério os jovens mais talentosos de sua geração. O Brasil ainda não deu esse passo – em nenhum nível federativo.
A sociedade brasileira quer mudança. A educação precisa de mudanças. O governo federal pode ter papel importante nesse processo.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 31/10/2014
No Comment! Be the first one.