Temos que nos preocupar com as gerações futuras. A reforma da Previdência é necessária porque, sem ela, o Brasil de 2040 ou 2050 será lúgubre
Os leitores que acompanham minhas colunas há anos e aqueles que porventura conheciam minhas ideias desde antes de “O Globo” ter me convidado a escrever mensalmente neste espaço sabem da minha dedicação ao tema previdenciário. Escrevi ou organizei quatro livros sobre o tema, além de um grande número de artigos acadêmicos e uma quantidade muito grande de artigos jornalísticos acerca do assunto. Na perspectiva de uma das decisões mais importantes que o Congresso Nacional terá que adotar acerca de nosso futuro — a reforma da Previdência Social — seria até certo ponto natural rechear esta coluna de números para mostrar por A + B por que essa reforma é correta, imperiosa — e inadiável. Um número não pode deixar de ser citado: a despesa do INSS, que era de 2,5% do PIB em 1988 — ano da “Nova Constituição” — e alcançará 8,5% do PIB este ano. Ou, em valores monetários, mais de R$ 560 bilhões. Isso, num país em que no meio urbano os homens, em média, se aposentam aos 55 anos e as mulheres, aos 53. Em matéria de números, vou parar por aqui.
Do que irei falar, então? De um conceito: o compromisso com o outro. Não esqueço da frase de um antigo conhecido — nos embates políticos, um desafeto — que anos atrás me encontrou na rua e perguntou: “E aí, Giambiagi, ainda pregando a reforma da Previdência?” ao que retruquei que eu continuava com as mesmas ideias. Foi aí que veio a resposta seca, sintética, emblemática de uma concepção de vida: “Agora você pode falar à vontade: eu já tô aposentado” e foi embora, às gargalhadas, com seus 55 anos de vida e em torno de três décadas, provavelmente, pela frente.
Corte para 2016. A vida me permitiu o privilégio de andar pelo mundo e, imbuído pelo desejo de conhecer novos lugares, ano passado passei pela experiência fascinante de conhecer o Japão. Independentemente do componente turístico dos belíssimos lugares que visitei — os templos milenares, a estátua de Buda em Nara, os prédios imponentes de Tóquio etc. — duas coisas me deixaram particularmente impressionado. A primeira, a quantidade de indivíduos com idade muito elevada andando na rua. Vi muitas pessoas com mais de 90 anos, várias delas bem curvadas pelo peso dos anos, um cenário que chama a atenção a quem vem de um país jovem. É inevitável comparar com o Brasil, país que gasta a mesma proporção do PIB com Previdência que o Japão — com apenas um terço da sua proporção de idosos.
A segunda questão que me chamou a atenção foi a preocupação com os outros. O fato de as ruas serem inacreditavelmente limpas, por exemplo, não reflete apenas a boa educação: significa que o cidadão japonês entende que tem o dever de cuidar das demais pessoas. O senso de pertencer a uma coletividade é marcante. Trata-se de um estágio superior de sociedade: ao invés do individualismo exacerbado que, em alguns países mais e em outros menos, marca a atitude das pessoas na vida moderna, o Japão compõe um mosaico de indivíduos onde a atenção com o ser humano em geral — desde a sociedade como entidade abstrata até a pessoa que viaja ao lado no metrô — é um valor aprendido desde a infância. Como pequeno exemplo desse espírito, cito o que aconteceu a minha esposa e a mim andando de trem: estávamos contemplando a vista, com óbvia atitude de estrangeiros, devorando a paisagem com os olhos e uma senhora se aproximou, sentindo que éramos turistas e nos presenteou com dois origamis — aquelas pequenas formas de animal feitas com papel, típicas da cultura japonesa. Perguntamos, curiosos, a razão do gesto, e ela, despedindo-se, disse sorrindo, singelamente: “Friendship!” (amizade). Um simples ato ao mesmo tempo singelo e encantador.
O leitor há de ter reparado no contraste quase brutal entre os dois fatos citados — o egoísmo deslavado e acintoso do meu conhecido e o gesto da idosa japonesa. Eu poderia ficar três artigos desfiando números, mas me limito a expor um conceito: temos que nos preocupar com as gerações futuras. A reforma da Previdência é necessária porque, sem ela, o Brasil de 2040 ou 2050 será lúgubre. Tenho 54 anos e um filho. Não quero que ele e seus contemporâneos habitem um país como aquele no qual coube à minha geração viver. Aspiro a que ele tenha a chance de viver num Brasil melhor. Fazer luta política em torno disso é um ato de egoísmo contra os jovens.
Fonte: “O Globo”, 10/04/2017
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