De tempos em tempos, o governo faz parcelamento de dívidas tributárias. O primeiro foi em 2000, o Refis. Depois vieram o Paes em 2003, o Paex em 2006 e o Refis da Crise em 2009 com suas quatro fases entre 2013-2014. No total, incluindo todos os parcelamentos especiais setoriais, somam-se em torno de 30 programas desde 2000, segundo a Receita Federal. Isso sem incluir parcelamentos feitos por Estados e municípios.
A grande maioria das empresas que aderem aos programas é posteriormente excluída por inadimplência ou migração para um novo Refis, o que sugere uma estratégia oportunista de rolagem de dívidas tributárias.
Refis beneficia igreja, time de futebol e dá desconto de até 99%
Para piorar, há um grupo seleto de devedores contumazes, que acaba tendo benefícios indevidos em comparação com os seus competidores que pagam os impostos corretamente. Segundo estudo da Receita, das 9,4 mil empresas com faturamento anual superior a R$ 150 milhões, em torno de 2 mil participam de três ou mais programas – essas grandes empresas respondem por 68% das dívidas totais.
Eventuais parcelamentos de dívidas tributárias ocorrem nos principais países em situações excepcionais. Suaviza-se assim o ciclo econômico e o desemprego. Em alguns casos, isso pode ser positivo para o bem-estar social e para a arrecadação, pela sobrevivência de empresas que enfrentam dificuldades momentâneas. Há várias razões para acreditar que os programas brasileiros têm falhado em atingir esses objetivos.
Os passivos tributários crescem a cada ano acima da inflação. Além disso, Faber e da Silva de 2016 mostram que a participação no pagamento de impostos do grupo de empresas que aderiram aos programa foi declinante com o tempo em comparação ao grupo que não aderiu.
Programas excessivamente generosos e frequentes acabam premiando e estimulando a inadimplência e permitindo a sobrevivência de empresas ineficientes. Afinal, nota-se maior resiliência do lucro líquido das empresas não optantes do que das optantes, segundo os autores citados.
Difícil é desenhar um bom programa de parcelamento, com retorno para a sociedade. A julgar pela experiência mundial, um importante requisito é que o prazo de parcelamento não seja muito longo nem que os programas sejam frequentes. Segundo estudo da OCDE, na maioria dos países-membros, o prazo máximo é de 12 a 24 meses, muito aquém da média no Brasil de 60 a 180 meses.
Em muitos países, diferente do Brasil, não é oferecido o benefício para devedores reincidentes e, em alguns casos, garantias são exigidas para prazos mais estendidos. Além disso, os países da OCDE têm buscado medidas para garantir o cumprimento dos acordos.
O programa de regularização tributária proposto inicialmente pelo governo tinha méritos, mas não avançou. Não previa perdão de multas e juros, mas apenas a utilização de créditos de prejuízo fiscal, além de não permitir que o devedor entrasse em plano posterior de parcelamento e exigir a regularidade fiscal para manutenção do parcelamento.
A nova proposta (Programa Especial de Regularização Tributária), que já era mais flexível, foi desconfigurada no Congresso. Não à toa alguns já a chamam de “bolsa inadimplente”. O novo projeto amplia o número de parcelas para até 175 vezes (ante até 120 vezes), prevê elevado desconto de multas e juros, amplia o aproveitamento de prejuízo fiscal e retira dispositivo que impedia a participação de contribuintes que já estão em outros programas de parcelamento. A proposta, aprovada na comissão mista, denota desconexão com a realidade do País.
Os sinais de recuperação da economia e a grave crise fiscal desaconselham novos benefícios para empresas privadas que não pagam seus impostos.
Aliás, parte da crise fiscal decorre precisamente da distribuição descuidada de benefícios e privilégios. Os seguidos Refis punem as empresas que pagam seus impostos regularmente para benefício daquelas que sonegam.
Um novo Brasil requer uma nova política e um novo setor privado, que pague suas obrigações regularmente.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”, 03/08/2017.
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