Quem paga a conta de Michel Temer estar usando a Presidência da República para se defender das denúncias de corrupção, obstrução da Justiça e formação de quadrilha? Quem paga o uso do próprio público da instituição Presidência, suas instalações, funcionários e custeio? Para além de usar a Câmara dos Deputados para a sua defesa privada enquanto se paralisa a tramitação dos projetos de reformas de interesse do país?
Por que, no dizer do próprio presidente, os ministros devem ser afastados de seus cargos, uma vez denunciados, e ele mesmo não?
O que ocorre na vida real da sociedade nestes casos? Um empregado de uma empresa privada permanece no cargo se for denunciado por crimes comuns? De acordo com o artigo 482 da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), o simples ato de improbidade já é razão suficiente para a rescisão do contrato de trabalho por justa causa.
Se tal é a legislação penal no âmbito da vida privada, não seria muito mais exigível para funcionário público número um do país? Aquele que deveria dar o exemplo de moralidade pública a todos os demais cidadãos?
Se a própria Lei 1.079, que especifica os crimes de responsabilidade do presidente da República, no inciso V do Artigo 4º, prevê que atentar contra a probidade na administração já evidencia tal crime, por que tantas torções e contorções de sofismas infindáveis para a sua aplicação?
Procede a argumentação de que o presidente é o único protagonista das imprescindíveis reformas ou na verdade é o epicentro da crise do país, obstáculo maior para a sua superação?
O fato é que o Brasil se encontra numa encruzilhada civilizatória. Ou enfrenta a cultura de impunidade e a imoralidade pública e constrói uma nova cultura de cidadania política, para além do envolvimento ou da omissão dos políticos profissionais, ou caminhará para uma rápida bolivarização de tensões sociais imprevisíveis.
Ou supera a tradição barroquista de driblar crises, adoçar pílulas, dar jeitinhos, celebrar gambiarras juris-imprudentes, tolerar desmandos, acobertar delinquências, escamotear injustiças, relativizar valores morais e torcer as leis penais, ou não vislumbrará nenhuma saída consistente para a crise em que se meteu.
Se a desobediência civil, por iniciativa de um conjunto expressivo de agentes de cidadania pagadores de impostos, não se viabiliza como recurso jurídico para a recusa a pagar mais impostos até que os governantes cortem seus privilégios, em alternativa a uma conflagração social, só nos resta mesmo a união em torno da campanha para não reeleger mais nenhum político profissional. Campanha, aliás, que já começou nas redes sociais.
Fonte: “O Globo”, 18/07/2017.
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