Soluções fáceis para problemas complexos do país costumam fascinar. É o caso da proposta de usar reservas internacionais para financiar investimentos, particularmente de infraestrutura. A ideia, que voltou à tona, encanta até quem se julga bem informado.
De fato, temos hoje 381 bilhões de dólares de reservas, equivalentes a um trilhão e oitocentos bilhões de reais. Muito dinheiro, não? Há analistas que consideram esse nível excessivo e defendem sua redução, dado o alto custo das reservas para o Tesouro. Elas são adquiridas em grande parte com elevação da dívida pública federal e rendem muito menos do que a Selic.
Esse questionamento, certo ou não, aguça o apetite de quem quer usar as reservas para investimentos. Ora, se até o mercado propõe a redução, utilizá-las para financiar obras tem a vantagem adicional de impulsionar a economia. A isso se acrescentaria, dizem, um quê de prudência à sugestão. Seriam usadas apenas 10% das reservas (118 bilhões de reais).
Acontece que as reservas constituem ativos em moeda estrangeira, enquanto as obras de infraestrutura serão realizadas em moeda nacional. A empreiteira ou o fornecedor de equipamentos não recebe dólares, euros, libras ou yens. Precisam ser pagos em reais.
A ideia tem duas complicações. A primeira decorreria da necessidade de vender os dólares no mercado para gerar os reais. Seria o mesmo que emitir dinheiro para financiar gastos públicos. A medida provocaria inflação e valorização real da moeda nacional. A valorização cambial incentivaria importações e prejudicaria as exportações. Haveria queda do PIB, a que se seguiria a perda de competitividade de produtos brasileiros, que deixariam de ser exportados ou não poderiam competir com os importados. Mais desemprego.
Claro, o Banco Central poderia intervir no mercado com operações de swap para evitar a valorização cambial. A consequência seria alguns bilhões de reais de custos adicionais para o Banco Central e, em última análise, para o Tesouro Nacional, ao qual são transferidos periodicamente os lucros e perdas das operações da autoridade monetária.
A segunda complicação viria de uma barreira legal. Como as reservas pertencem ao Banco Central, a autoridade monetária estaria a rigor financiando o Tesouro, o que é proibido pela Constituição. Haveria como driblar a proibição, entregando os recursos a um banco oficial, que financiaria as obras de infraestrutura, mas a “pedalada” poderia justificar pedido de abertura de processo de impeachment por crime fiscal, isto é, de responsabilidade.
Haveria outras complicações, mas é desnecessário apresentá-las. Já temos motivos de sobra para afirmar que o uso de reservas internacionais para financiar investimentos é uma ideia de quem pouco conhece como funcionam as finanças públicas e o balanço de pagamentos. Na verdade, seria uma loucura.
Fonte: “Veja”, 08/08/2017.
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