“Quando um produto chega até nós a partir do estrangeiro, e quando podemos adquiri-lo por menos trabalho do que se produzíssemos nós mesmos, a diferença é um presente gratuito que éconferido a nós.” (Bastiat)
Em “Economic Sophisms”, o francês Frédéric Bastiat (1801-1850) expõe as incoerências do protecionismo comercial. As barreiras protecionistas sempre representam um privilégio a poucos produtores à custa dos consumidores. Selecionei três casos analisados pelo economista.
No primeiro caso, Bastiat simula uma petição dos fabricantes de velas, lanternas e lâmpadas, assim como dos produtores de petróleo, resina e álcool, em defesa do protecionismo de seus mercados. Eles alegam que estão sofrendo uma competição injusta, já que seu rival pode trabalhar sob circunstâncias bem superiores que as deles, inundando assim o mercado doméstico com um produto concorrente de preço inacreditavelmente mais baixo.
O rival estrangeiro é o sol, que declarou guerra sem misericórdia aos fabricantes domésticos desubstitutos de iluminação natural. A petição pede que o governo bloqueie o máximo possível o acesso à luz natural, criando uma necessidade por iluminação artificial, estimulando a indústria doméstica.
Ora, a justificativa para não seguir tal pedido seria o custo que os consumidores teriam que arcar? Mas sempre que o governo cria barreiras que dificultam o acesso aos bens importadosmais baratos, não ocorre o mesmo tipo de sacrifício dos consumidores, para beneficiar alguns poucos produtores? A desculpa de que o protecionismo visa ao encorajamento da indústria nacional e aumento do emprego não se aplica da mesma forma nesse caso? Não alegam que o consumidor e o produtor são a mesma pessoa, e que se um fabricante local lucra com o protecionismo, isso terá uma contrapartida no consumo maior de outros produtos, beneficiando os demais setores? E o mesmo “argumento” não é válido no caso da iluminação artificial?
Não condenam a competição como injusta quando recursos naturais favorecem os produtores estrangeiros, justificando assim a proteção? E qual seria a diferença de parte do custo de proteção do importado ser de graça devido a natureza, e seu custo total ser nulo, como no caso do sol? Como pode fazer sentido proteger produtores domésticos quando uma parte dos custos dos importados tem vantagem natural, e não proteger quando sua totalidade possui esta vantagem?
No segundo caso, Bastiat diz ter chegado a uma imensa descoberta, de como reduzir adiferença entre o preço dos produtos nos locais onde são produzidos e onde são consumidos. Apesar de empresários quebrarem a cabeça pensando nisso, buscando a redução dos custos de transporte, principal barreira natural para a importação ao mesmo preço, o governo, em contrapartida, cria barreiras artificiais do outro lado, muitas vezes anulando o efeito das inovações no transporte.
A solução “mágica” de Bastiat: redução das tarifas! O economista questiona como pode ter sido possível pensarem em algo tão fantástico como se gastar milhões com o propósito de remoção dos obstáculos naturais entre os países, como a construção de pontes e ferrovias, ao mesmo tempo que se gasta outros tantos milhões com o propósito de substituição dos obstáculos artificiais que possuem exatamente o mesmo efeito. O resultado é que o obstáculo criado – as tarifas protecionistas – neutraliza o obstáculo removido, e as coisas continuam como antes, sendo a única diferença uma despesa dobrada pela operação toda.
O terceiro e último caso trata da reciprocidade. Muitos alegam que o livre comércio tem que ser recíproco para ser benéfico. Bastiat afirma que pessoas com tal mentalidade são protecionistas em princípio, mesmo que não reconheçam, e são apenas mais inconsistentes que os protecionistas puros, que são por sua vez mais inconsistentes que os defensores da abolição completa de produtos estrangeiros.
Para provar seu argumento, ele utiliza uma fábula de duas cidades, Stulta e Puera, que construíram uma grande estrada as conectando. Após o término da construção, Stulta teria reclamado que os produtos de Puera estavam inundando o seu mercado, e criou o cargo assalariado de encarregados pela obstrução do tráfego dos importados. Logo em seguida, Puera fez o mesmo, e o resultado era mutuamente perverso.
Até que um homem velho de Puera, suspeito até de receber pagamento secreto de Stulta, disse que os obstáculos criados por Stulta eram maléficos a Puera, o que era uma pena. E que os obstáculos criados pela própria Puera também eram maléficos, novamente uma pena. Completou que não havia nada que pudessem fazer quanto ao primeiro problema, mas que poderiam solucionar a outra parte, criada por eles mesmos.
Logo houve forte reação, e o acusaram de sonhador, utópico e até “entreguista”. Alegaram que seria mais difícil ir que vir pela estrada, ou seja, exportar que importar. Isso colocaria Puera em desvantagem em relação à Stulta, como as cidades na beira dos rios estão em desvantagem frente às montanhosas, já que é mais complicado subir que descer. Só que uma voz disse que as cidades na beira dos rios prosperaram mais que as montanhosas, causando alvoroço.
No entanto, era um fato! Infelizmente para o povo de Puera, decidiram que tais cidades tinham prosperado contra as regras, e optaram pela manutenção dos obstáculos, em nome da “independência nacional”, da honra, da proteção da indústria doméstica contra a competição selvagem, etc. E os consumidores continuaram sendo sacrificados para o benefício de alguns produtores privilegiados, como sempre ocorre nas medidas protecionistas.
*Artigo publicado em 2006
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