A inflação, como dizia Milton Friedman, é sempre e em todo lugar um fenômeno monetário. O que isso quer dizer, basicamente, é que a alta generalizada de preços é causada pelo aumento da oferta monetária e creditícia, fazendo com que mais moeda procure a mesma quantidade de bens e serviços. Portanto, a inflação será sempre resultado de uma política deliberada de quem controla a emissão de moeda e o crédito dos bancos.
Ora, esta é justamente a função dos bancos centrais. No site do Banco Central do Brasil, por exemplo, consta em destaque sua missão: “Assegurar a estabilidade do poder de compra da moeda e um sistema financeiro sólido e eficiente”. Para tanto, o BCB goza de orçamento bilionário que mantém uma estrutura com mais de 4,5 mil servidores. Todos unidos em torno desta importante missão.
E eis que estes servidores resolvem fazer greve em busca de reposição salarial de 23%! A notícia chegou a ser veiculada no Financial Times. Um dos líderes sindicais disse que não quer aumento de salário, apenas o resgate do seu poder de compra. Mas essa não é exatamente a missão do BCB? Ou seja, ao demandar reposição do poder de compra salarial, não estariam estes servidores confessando que falharam em sua única missão? E ainda querem recompensa por isso?
É algo análogo a um vigia, cuja única missão é proteger uma propriedade, demandar restituição dos objetos que lhe roubaram enquanto a propriedade que ele vigiava era assaltada. A incompetência é premiada. A inflação produzida pelo próprio BCB é problema dos outros; seus funcionários querem indexação!
Muitas foram as tentativas de se criar mecanismos de pesos e contrapesos para evitar os abusos políticos dos bancos centrais, uma vez que o imposto inflacionário é um dos mais tentadores para as autoridades, pois disfarçado. A independência legal do banco central foi uma conquista nesta direção, assim como o regime de metas de inflação. Tudo para criar um meio de responsabilizar a autarquia e blindá-la da captura política.
Mas os resultados não são dos mais animadores. O dólar, desde que o Federal Reserve foi criado em 1913, já perdeu mais de 95% de seu poder de compra frente ao ouro, cuja oferta não pode ser manipulada por banqueiros centrais. Várias bolhas creditícias foram criadas desde então. O fracasso é tão evidente que muitos economistas chegaram a defender o fim dos bancos centrais, com argumentos bastante razoáveis.
Como politicamente esta é uma meta muito distante, quiçá inalcançável, venho defender uma alternativa que parece interessante para alinhar os interesses. Trata-se de uma medida radical, mas necessária para lidar com males radicais. Além de garantir a independência do Banco Central (que ainda é apenas sonho no Brasil) e determinar uma meta de inflação bem reduzida (também é sonho no Brasil, cuja meta é 4,5% com banda que tolera até 6,5% ao ano), que tal congelar o salário de todos os seus servidores?
Se cada funcionário do BCB tiver seu salário fixado em termos nominais por lei, então o staff do banco será o maior interessado em realmente lutar pela preservação do poder de compra da moeda. Em outras palavras, ao transformar o próprio funcionário do banco em um cidadão comum desprotegido do imposto inflacionário, esta lei iria criar automaticamente forte resistência às práticas inflacionárias dentro do banco, que, como já vimos, é aquele que tem o poder de criar inflação.
Fica aqui, então, a minha sugestão para melhorar o combate a esta praga inflacionária, que atualmente corrói mais de 5% do poder de compra da moeda por ano (sem falar do risco de bolha creditícia no país atualmente): tornar o Banco Central independente por lei, com mandato intercalado com a Presidência da República; adotar meta de inflação reduzida, dentro do padrão internacional (em torno de 2% ao ano); e congelar o salário de seus funcionários em termos nominais, para alinhar seus interesses aos nossos, simples mortais.
Não é uma “solução” definitiva, como talvez fosse o caso de um sistema de free banking (há controvérsias, mesmo entre grandes liberais). Mas sem dúvida é um passo a mais na direção correta. Os servidores do Banco Central não têm o direito de se proteger contra a inflação que ajudam a criar, penalizando o restante da população enquanto desfrutam da blindagem da indexação salarial. Eles precisam ficar no mesmo barco que os demais, que todos aqueles que pagam o pato da política inflacionária. Afinal, inflação no bolso dos outros é refresco, né?
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