Gil Castello Branco é especialista do Instituto Millenium e consultor de economia da ONG Contas Abertas, uma entidade da sociedade civil, sem fins lucrativos, que reúne pessoas físicas e jurídicas interessadas em conhecer e contribuir para o aprimoramento do orçamento público.
Preparando a corrida “Venceremos a corrupção”, em Brasília, com o objetivo de mobilizar a sociedade para o combate à corrupção, ele foi entrevistado pelo Instituto Millenium sobre o tema. O economista comentou os índices que avaliam os prejuízos causados anualmente às nações pela corrupção, apontou suas principais causas e efeitos, entre eles o desgaste da imagem institucional, perigo para uma democracia jovem como a brasileira.
Instituto Millenium: Como a corrupção afeta o desempenho econômico do pais? É um número mensurável?
Gil Castello Branco: A corrupção é um fenômeno mundial que nos afeta de várias maneiras, sob o ponto de vista econômico, social e político. É difícil mensurar e avaliar quais deles são mais prejudiciais. A gente costuma dizer que a corrupção “não tem nota fiscal nem recibo”. No Brasil, os estudos chegam a valores diferentes, pois utilizam variadas metodologias. A Federação da Indústria de São Paulo (FIESP) apontou prejuízo de US$ 22,2 bilhões em 2009, a Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP) revelou o valor de US$ 3,5 bilhões, e para a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG) a perda foi de US$ 4,6 bilhões no período. Se levarmos em conta os valores levantados pela FIESP, as perdas com a corrupção anualmente no Brasil corresponde aos gastos, em 2009, de onze ministérios (R$ 29,6 bi), além da Câmara dos Deputados (R$ 3,2 bi), Senado Federal (R$ 2,5 bi) e Presidência da República (R$ 5,9 bi), num total de R$ 41,2 bilhões.
No plano internacional, há alguns anos a estimativa do Banco Mundial revela que a economia perde cerca de um trilhão de dólares com a corrupção anualmente, mas o valor é estável há mais de uma década e é difícil (embora necessário) contestá-lo, pois não há instrumentos específicos para isso.
Já a Transparência Internacional (entidade civil internacional de luta contra a corrupção) trabalha com o Índice de Percepção da Corrupção, que procura mostrar como investidores, exportadores e bancos de fomento que se relacionam com diversos países avaliam a negociação nessas nações. Se há propina etc. A organização elabora um ranking entre os países e o nível de percepção sentido por quem negocia com eles é avaliado. E claro que determinada posição na lista revela se o pais é um bom lugar para negócios, investimentos e há um prejuízo embutido aí.
É claro que sob ponto de vista econômico os prejuízos são bastante graves, mas, a meu ver, a descrença na instituição é o principal (e pior) efeito da corrupção. O cidadão passa a descrer na instituição pública, passa a não lutar mais. Ela degrada as instituições nos Três Poderes, desmoraliza os órgãos públicos. E como nossa democracia é relativamente jovem, precisa ser amadurecida, ver hoje jovens que não acreditam no Legislativo é perigoso. Nós já vivemos uma ditadura e o descrédito institucional é muito perigoso.
E outro produto da corrupção são as taxas, impostos, contribuições. O Estado não gera um centavo. O Estado somos nós.
Instituto Millenium: Há no Brasil uma associação da corrupção às instituições públicas? E em relação às instituições privadas? A corrupção também atravessa essas instituições?
Gil Castello Branco: O brasileiro tem uma opinião curiosa, que identifica a corrupção com o Congresso Nacional, mas nenhum parlamentar entrou pela janela, ele está lá porque votaram nele. A população se coloca em uma posição distante do problema. Acha que a corrupção tem que ser tratada pela Controladoria Geral da União (CGU), pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pelo Judiciário.
O cidadão fica indignado com o assalto do trombadinha, mas acha curioso o roubo do colarinho branco. Ele associa a corrupção muito mais à questão pública e muito menos à questão privada. E ela certamente acontece em várias formas nas empresas: na sonegação de impostos, nas práticas de propina, em ilegalidades na licitação, nas concorrências…
Instituto Millenium: Qual é a posição do Brasil no ranking da Transparência Internacional? E quais são as principais causas desse quadro?
Gil Castello Branco: O Brasil está na 75a posição do ranking, bem no meio, próximo ao Suriname, Colômbia, Romênia, Peru. A posição relativa do Brasil está próxima da realidade. Eu acho que espelha o que acontece aqui, quando um novo escândalo sepulta o anterior.
A ONG Contas Abertas fez um diagnóstico sobre as causas da corrupção no Brasil, que reuniram as principais delas, presentes em quase todos os diagnósticos: imunidade parlamentar, sigilo bancário excessivo, falta de transparência nos cargos públicos, preenchimento de cargos públicos, critérios para nomeação de ministros do STF, TCU e STJ, foro privilegiado para autoridades, liberalidades existentes para instituições filantrópicas e ONG’s, formas de financiamento de campanhas eleitorais, critérios para elaboração e execução de repasses de recursos para emendas parlamentares, morosidade da Justiça e impunidade.
A ONG elencou as principais causas e apresentou-as ao ministro-chefe da Controladoria-Geral da União Jorge Hage. O ministro aprovou o diagnóstico e apoiou a iniciativa, comentando os mais significativos, o que é importante, já que os governos sempre tentam desqualificar esses índices revertendo a informação, dizendo que a percepção sobre a corrupção aumenta justamente porque está sendo combatida.
Instituto Millenium: Quais medidas podem ser tomadas contra a corrupção e quais experiências internacionais foram bem-sucedidas?
Gil Castello Branco: Eu acredito que o combate eficaz à corrupção só pode acontecer a partir do envolvimento total da sociedade. A convenção da ONU possui um artigo inteiro (artigo 13) sobre a participação da sociedade. Eu não acho que o combate seja apenas uma tarefa da Polícia, ou da TCU isoladamente.
É preciso trabalhar valores como a cidadania e a ética, não se muda da noite para o dia. E é preciso atentar para as vitórias. O Ficha Limpa é uma delas, por mais que tenha divergência sobre a metodologia, na próxima eleição já terá passado o período de carência; a aprovação da Lei Responsabilidade Fiscal é outra conquista, e a mais recente foi o papel da autoridade do Estado nas ações de combate ao tráfico de drogas no Rio de Janeiro.
A nossa “Corrida venceremos a corrupção”, em Brasília, é mais uma tentativa de manter a sociedade mobilizada. A sociedade precisa dar um basta e lutar.
A Itália tem o exemplo mais notório contra a corrupção, que foi o “Operação mãos limpas”. Teve um significado importante, melhorou a percepção no ranking internacional. Outros países que assumiram essa dificuldade e impuseram mudanças também observaram uma melhoria.
Instituto Millenium: Em relação a corrupção nas instituições que envolvem a segurança pública e ao seu histórico descrédito por parte da população? As recentes ações dos órgãos de segurança pública no Rio elevaram a confiança da população, como foi revelado em pesquisa, ao mesmo tempo em que o Exército temeu ter os soldados corrompidos pelo excesso de contato com a Polícia Militar .
Gil Castello Branco: A sociedade está tão carente de ações, que bastou um único fato para mudar a imagem de toda a corporação, como o que aconteceu no Rio de Janeiro, onde a pesquisa realizada entre a população revelou otimismo e confiança nos órgãos de segurança, entre eles a polícia. O fato mostrou que não é tão difícil recuperar a confiança. As Forças Armadas voltaram a liderar entre as instituições mais admiradas, que inspiram mais confiança.
O Estado apareceu. A ação concatenada sob as forças militares, a participação direta do Ministério da Defesa, o uso do M113, o blindado da Marinha, pilotado por quatro fuzileiros, que participaram ativamente… A surpresa do uso do blindado sucesso da operação… tudo isso fez a diferença. E a sociedade gosta de ver a autoridade do Estado. Pela primeira vez, nos últimos 50 anos, mostraram o domínio o Estado.
Se os militares estão enfrentando o crime no Haiti, precisam enfrentar aqui também. Há armas roubadas do próprio Exército, o que revela que a corporação não está imune, mas não está imune. A formação dos policiais precisa ser agilizada ao máximo e Exército deve cumprir o papel que lhe cabe no fortalecimento das fronteiras, a Marinha também.
A sociedade muda conforme o Estado se movimenta. A sociedade colaborou, o Disque Denúncia bateu recordes. Precisamos de medidas semelhantes em relação à corrupção. A impunidade é muito grande, são poucas condenações, bastaria um conjunto de iniciativas para que a sociedade acreditasse. E isso poderia mudar também a imagem do Legislativo e do Judiciário. Se a mesma determinação política usada no Complexo do Alemão também fosse usada para combater a corrupção, o Brasil conseguiria vencê-la também.
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