Termos como “fake news” e “pós-verdade” ganharam popularidade no ano passado durante as eleições americanas. As redes sociais foram apontadas como corresponsáveis pela improvável vitória de Donald Trump para presidente dos Estados Unidos. Segundo os críticos, as empresas de tecnologia transformaram-se num ninho de desinformação e manipulação de opinião pública e pouco fizeram para contornar o problema. Desde então, Google, Facebook, Twitter e outras companhias que ganham dinheiro distribuindo o conteúdo de terceiros anunciaram medidas para tentar conter a proliferação de notícias falsas e desinformação. Não é uma tarefa fácil e por enquanto há muito mais promessas do que resultados efetivos.
Assim como o jogo entre os hackers e as empresas de segurança digital, a disputa entre as redes sociais e os produtores de desinformação e notícias falsas é inglória. Os bandidos parecem sempre estar um passo à frente dos mocinhos, porque conseguem enxergar brechas em ferramentas criadas para ter impacto positivo na sociedade. Para dar o exemplo mais básico: o Facebook e o seu “news feed” deram abrangência a uma série de veículos de mídia. Boa parte da audiência deste “Experiências digitais” vem da rede social. Mas o mesmo caminho é usado para facilitar a ação de grupos políticos que, em vez de informar, usam essa base de 2 bilhões de usuários no mundo para espalhar mentiras com as mais variadas intenções.
A má notícia é que as estratégias desses grupos estão cada vez mais sofisticadas, como mostra o estudo “A máquina das notícias falsas: como os propagandistas abusam da internet e manipulam o público” (clique aqui para ler na íntegra – em inglês). Ele foi produzido por pesquisadores da empresa Trend Micro, especializada em segurança. Os autores fizeram o levantamento em diversos países dos anúncios publicados por quadrilhas que ganham dinheiro oferecendo uma infraestrutura digital para proliferar notícias falsas, destruir a reputação de pessoas, criar formadores de opinião instantâneos e até influenciar o resultado de votações. Esses “kits” são vendidos em sites e fóruns que estão escondidos na internet por alguns milhares de dólares e têm funções diversas: de promover produtos de empresas charlatães a influenciar o resultado de pesquisas online.
Os autores, por exemplo, encontraram ofertas para a criação de “influenciadores digitais” em pouco tempo. Não me refiro à estratégia de inflar a conta nas redes sociais com dezenas de milhares de seguidores robôs. Essa é velha, batida e barata: por pouco mais de US$ 200, você consegue 200 mil “zumbis” que passam a seguir você sem qualquer tipo de interação. Com mais dinheiro – cerca de US$ 3 mil –, é possível levar gradualmente uma conta a mais de 300 mil seguidores. A tarefa leva algum tempo e inclui uma série de interações humanas para dar ar de credibilidade ao influenciador. Uma vez que a conta ganha sustância, esse perfil pode ser usado para manipular opiniões a partir da desinformação para qualquer fim que o “cliente” desejar.
Patrícia Blanco: “O combate à onda das notícias falsas não deve restringir a liberdade de expressão”
Outro exemplo que me chamou a atenção são as empresas que vendem kits para destruir reputações de jornalistas. Podem ser usados por políticos para desqualificar seus críticos na mídia e também por empresas. Abrindo um rápido parênteses: em 2014, um caso envolvendo o aplicativo Uber ganhou repercussão quando um alto executivo da empresa ameaçou uma jornalista que publicava textos críticos à companhia. Ele dava a entender que poderia usar tecnologia para vasculhar informações comprometedoras sobre a vida dela. Parênteses fechado.
No levantamento da Trend Micro, uma quadrilha oferecia um serviço que incluía a publicação de 12 mil comentários e links nas páginas de veículos de imprensa com sentimentos negativos em relação a um jornalista da casa. O valor? US$ 3 mil. Para passar uma imagem de credibilidade à ação, o grupo garantia haver um pequeno percentual de comentários neutros e até positivos sobre a carreira da pessoa. Mas a imensa maioria teria como objetivo descreditar o profissional de mídia. Dependendo do porte do jornalista e da necessidade de infraestrutura, esse tipo de serviço chega a custar US$ 55 mil no mundo “underground” da internet.
O levantamento feito por pesquisadores ainda traz exemplos de kits para influenciar pesquisas online. Ele pode ser usado por um político querendo inflar suas intenções de voto ou um artista que esteja disputando uma competição de popularidade. Chamou a atenção ainda um kit de criação de protestos nas ruas por meio das redes sociais. Eles garantem a formação de grupos de manifestantes organizados no Facebook com um número mínimo de milhares de usuários reais. Também ficam responsáveis por criar eventos e fomentar as páginas com conteúdo e links relacionados. O custo de uma campanha completa para organizar um protesto pode chegar a US$ 200 mil – valor altíssimo para pessoas comuns, mas nada absurdo pensando no dinheiro que circula em campanhas políticas e outros grupos ligados ao poder.
O estudo da Trend Micro poderia ir mais além de tentar encontrar mais exemplos de casos reais de grupos e empresas que já usaram esses serviços e seus respectivos resultados. Afinal, vende-se muito gato por lebre nas redes sociais. Mas temos diversos indícios de como isso já está funcionando a todo vapor e gerando bastante dinheiro. Adolescentes de uma cidade da Macedônia, por exemplo, foram apontados como influenciadores relevantes da campanha de Trump à Presidência dos Estados Unidos. O jornal “Folha de S.Paulo” publicou no início do ano uma reportagem mostrando que um brasileiro de Poços de Caldas estava ganhando mais de R$ 100 mil por mês com sites de proliferação de notícias falsas.
São casos que mostram o tipo de rede complexa que as redes sociais, as autoridades de governos democráticos e nós teremos de enfrentar na tal era da “pós-verdade”.
Fonte: “Época”.
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