Além dos tradicionais gritos de “fora Temer”, a votação que livrou o presidente da República de responder ao Supremo Tribunal Federal pela denúncia de corrupção passiva, nesta quarta-feira, foi marcada por manifestações em apoio às “Diretas Já” – grito frequente entre os parlamentares da oposição que votaram contrários ao arquivamento da denúncia na Câmara.
Ecoando nas redes sociais entre aqueles que não acreditam na legitimidade de Temer para exercer a Presidência da República – embora o processo de impeachment de Dilma Rousseff tenha sido conduzido dentro dos parâmetros legais previstos na Constituição – o movimento “Diretas Já” de 2016/2017 nada tem em comum com o original, de 1983/1984, quando, sob um rígido cerceamento das liberdades individuais promovido pela ditadura militar por mais de duas décadas, as pessoas não tinham sequer o direito de escolher seu representante máximo (saiba mais no Politize!).
SACRIFICAR O AJUSTE FISCAL… POR INTERESSE PESSOAL?
Diferentemente das circunstâncias que levaram às manifestações por diretas nos anos 1980, o movimento atual padece de cinco equívocos, de acordo com o especialista do Instituto Millenium Maílson da Nóbrega. Em artigo publicado em junho, o economista ressalta que a defesa de votação popular para a Presidência é “natimorta”. Relembre os cinco equívocos:
O primeiro é de considerar que o atual Congresso, com grande parte envolvida em denúncias de corrupção, não teria legitimidade para eleger o novo presidente. Ora, se a eleição direta depende de aprovação de emenda constitucional pelo mesmo Congresso, a justificativa é mais do que um equívoco. É contraditória e uma grande tolice.
Segundo equívoco: o povo deve sempre eleger o presidente. Isso implica condenar a eleição indireta pelo Congresso, prevista no artigo 81 da Constituição sempre que a vacância do cargo ocorrer nos dois últimos anos do mandato. Eleição direta custa muito e leva pelo menos seis meses para organizar, proclamar os eleitos e dar-lhes posse. Tudo isso para um mandato de um ano e meio ou menos. Haveria incertezas antes, durante e depois do pleito. Os constituintes de 1988 construíram uma norma dotada de elevada sensatez.
Terceiro equívoco: mudar a regra no meio do jogo. O êxito de um país se mede, entre outros fatores, pela estabilidade de suas regras constitucionais. O melhor exemplo é o dos Estados Unidos, cuja Constituição foi emendada apenas 27 vezes em seus 234 anos. Não dá para mudar a regra de eleição do presidente por razões ocasionais.
Quarto equívoco: reeditar a campanha das diretas-já de 1984. Essa campanha foi parte da luta pelo fim do regime militar e pela consequente restauração da democracia. Passados 33 anos e aprovada uma nova Constituição, não faz sentido invocar um movimento válido em outra época e em distintas circunstâncias. A democracia está consolidada, apesar de ainda conviver com um sistema político-eleitoral disfuncional e propenso à corrupção.
Quinto equívoco: recuperar o protagonismo do povo. Este é o mote do Plano Popular de Emergência, defendido pela Frente Brasil Popular, pelas centrais sindicais, pelos movimentos sociais, e por políticos e intelectuais ligados ao PT. O objetivo é beneficiar Lula, candidato a presidente da República. Trata-se, pois, de campanha que interessa essencialmente ao PT e aos seus simpatizantes. De fato, o tempo joga contra Lula, que é réu em seis ações criminais, corre o risco de virar ficha-suja, de ter a candidatura impugnada e de ver acelerar o processo de declínio de sua popularidade e de seu partido. Quanto antes houver eleição direta, melhor. Seria, assim, um contrassenso tomar uma decisão grave, sem qualquer justificativa plausível, para proveito exclusivo de Lula e do PT.
Também em junho, o Instituto Millenium conversou com o cientista político Paulo Moura sobre o tema, que destacou “insegurança jurídica, instabilidade e imprevisibilidade” como consequências mais graves caso a Constituição seja alterada em função de eleições diretas. Moura defende o cumprimento das regras atuais em caso de vacância na Presidência, ou seja, da convocação de eleições indiretas comandadas pelo Congresso Nacional: “A democracia não é feita apenas de eleições, mas de um conjunto de leis e instituições que preveem como a sociedade e o sistema político devem agir em determinas circunstâncias”, analisa. Na entrevista, ele também fala sobre o custo da mobilização de novas eleições para alguém que cumpriria apenas um ano de mandato. Ouça!
No Comment! Be the first one.