Data histórica. Finalmente a reforma da Previdência foi aprovada. Entre a proposta original e a que foi aprovada, diversas mudanças ocorreram e perderam-se 30% da potência fiscal original. Apesar disso, temos muito a comemorar. Foi uma vitória do bom senso do Congresso, da obstinação da equipe liderada pelo competente Rogério Marinho e da liderança inquestionável do presidente da Câmara, Rodrigo Maia.
A história pela busca do bom senso é longa no país. Nos anos 1980, Francisco Barreto e Kaizô Beltrão já alertavam que o nosso sistema de Previdência iria entrar em colapso. Em 1990, o governo Collor apresentou uma proposta de mudança, mas foi imediatamente arquivada e esquecida.
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Com a edição da EC (Emenda Constitucional) nº 3/93, estabeleceu-se a necessidade de contribuição dos servidores civis para custeio de suas aposentadorias e pensões. Cinco anos mais tarde, a EC nº 20/98 mudou muitas coisas no sistema previdenciário. Era extensa, tratava de vários temas e propunha o fim da aposentadoria por tempo de contribuição. Houve muito avanço, mas a fixação de idade mínima não foi aprovada por só um voto.
Outros cinco anos se passaram e, em 2003 foi aprovada a EC nº41/03, que aprimorava regras para os servidores públicos, estabelecia a previsão de previdência complementar para servidores, fixava alíquota mínima para os regimes próprios e determinava a obrigatoriedade de equacionamento do passivo previdenciário.
Caminhamos devagar, mas fomos reduzindo a enorme desigualdade de nosso sistema previdenciário.
Todavia faltava muito a ser corrigido. Afinal, como aceitar que alguns trabalhadores pudessem se aposentar com idades inferiores a 50 anos? Como aceitar que alguns poucos beneficiários pudessem acumular três, quatro ou mesmo seis benefícios? Como aceitar que alguns servidores públicos recebessem transferência líquida da sociedade de valores superiores a R$ 5 milhões ou R$ 6 milhões? Como aceitar que o valor da pensão fosse o mesmo para viúvas (os) que tivessem vários filhos menores e viúvas (os) que não tivessem filho algum?
Até mesmo Dilma Rousseff, após negar o óbvio por tanto tempo, se convenceu de que era necessário reformar a Previdência. Saiu antes de propor qualquer coisa.
O governo de Michel Temer apresentou, em fins de 2016, proposta ambiciosa de reforma. Tinha virtudes e alguns poucos, mas graves, defeitos. O desfecho todos sabemos.
Assim, depois de 16 anos desde a reforma de 2003, em fevereiro de 2019, o atual governo apresentou a proposta de reforma, conhecida como PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 006/2019. Era abrangente e trazia coisas já apresentada na PEC de Temer e muitas outras novidades e modernizações.
Durante sua tramitação, coisas preciosas ficaram de fora: estados e municípios, desconstitucionalização de regras operacionais, a possibilidade de um sistema capitalizado, o gatilho demográfico, a mudança no abono salarial, entre outros itens.
Se o futuro foi relegado, houve, por outro lado, importantes vitórias.
Aprovar o fim da aposentadoria por tempo de contribuição e fixar idades mínimas são enorme avanço. Igualmente, o estabelecimento de alíquotas progressivas que, por vias tortas, corrigem, pelo menos parcialmente, a enorme transferência de renda para grupos abastados é uma vitória excepcional.
O impacto fiscal ficou em algo próximo de R$ 800 bilhões de economia em dez anos. Se não resolve o problema —e não resolve—, dá algum alívio e permite que a agenda de modernização avance, como a questão tributária, o grave desequilíbrio fiscal de estados e municípios, a baixa produtividade da economia e a enorme desigualdade de renda e de oportunidades, entre outros.
Agora é a hora de arregaçar as mangas para agendas positivas e de retomada do crescimento econômico sustentável.
Fonte: “Folha de São Paulo”, 23/10/2019