*com Renato Fragelli
Privatizar é de esquerda
Ao longo das últimas semanas, a significativa melhoria do ambiente de negócios brasileiro, ocorrida após a queda de Dilma Rousseff, foi ilustrada por quatro notícias aparentemente não relacionadas. Todas na direção contrária ao que pregam aqueles que, embora se autodenominem de esquerda, defendem em última instância a transferência de recursos públicos para grupos de pressão organizados.
A primeira notícia foi a previsível condenação pela OMC das principais políticas industriais do governo anterior, em particular o programa Inovar Auto. O programa elevou o IPI sobre automóveis importados, mas ofereceu descontos do mesmo imposto para empresas que produzissem no país. Além de infringir acordos internacionais de que o Brasil é signatário, o programa encareceu os automóveis importados e por consequência todos os demais veículos vendidos no mercado doméstico, beneficiando a indústria automobilística em detrimento do consumidor. Além disso, promoveu uma expansão da capacidade produtiva que se tornou ociosa diante da recessão doméstica, num claro desperdício de recursos patrocinado pelos defensores da política industrial a qualquer preço. Ainda não estão definidas as retaliações comerciais a serem impostas ao país.
A segunda foi a eliminação da tarifa de importação sobre máquinas e equipamentos sem similar nacional. Trata-se de um importante passo visando ao barateamento do custo das cadeias produtivas domésticas. O Brasil é um dos poucos países do mundo que ainda tributam a importação de bens intermediários, tecnologia de informática e máquinas em geral. Como já demonstrado em inúmeros trabalhos empíricos ignorados pelos defensores do protecionismo, a redução de barreiras comerciais sobre insumos de produção, por aumentar a competição no mercado doméstico e ampliar o acesso a novas tecnologias, eleva a produtividade da economia promovendo o desenvolvimento.
A terceira notícia foi a aprovação da TLP. Estudo da Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda estimou em R$ 218 bilhões o subsídio implícito nas operações envolvendo a TJLP entre 2012 e 2016. Não se conhece qualquer avaliação séria sobre o impacto dessas transferências, mas sabe-se que seu custo ultrapassa o do programa Bolsa Família (R$ 30 bilhões por ano), política com grande impacto sobre a redução da pobreza. A introdução da TLP interrompe essa insanidade, aumenta a transparência da alocação de recursos públicos, bem como imporá disciplina na discussão sobre o volume e destinação de subsídios custeados pela sociedade.
O ataque agressivo à TLP por senadores que se dizem de esquerda, municiados por economistas que comungam das mesmas ideias, mostra que beneficiar setores escolhidos está na lista de suas prioridades. Convenientemente, ignoram-se usos alternativos dos recursos que certamente poderiam atingir grupos mais necessitados. Estudo de Marco Bonomo e co-autores estima o valor presente da economia com a introdução da TLP em torno de R$ 100 bilhões.
A quarta notícia foi a futura rodada de privatizações e concessões. Entre as empresas a serem transferidas para a iniciativa privada estão a Eletrobras, Casa da Moeda e vários aeroportos. Imediatamente um coro de oposição, formado por políticos de diferentes partidos e ideologias, militantes de esquerda — sempre eles — e economistas heterodoxos, se formou em oposição ao que intitulam “mais um ataque ao patrimônio nacional”. Políticos mineiros do PT e PSDB se uniram contra a privatização de Furnas; enquanto os nordestinos cerram fileiras pela manutenção da Chesf nas suas mãos, ou melhor, “nas mãos do povo brasileiro”.
O sucesso das privatizações, em destaque a CSN, Vale do Rio Doce, Embraer e o setor de telecomunicações, mostrou que os ganhos potenciais de produtividade após a privatização são imensos. Emprego, produção e lucratividade cresceram significativamente. O retorno para o Estado na forma de impostos superou com folga os baixos dividendos recebidos antes da privatização. O mesmo deve ocorrer com as empresas do grupo Eletrobras. Além disso, projetos de retorno duvidoso, como Belo Monte, aprovado de cima para baixo sem discussão com a sociedade, ignorando relatórios técnicos negativos e os direitos das populações locais, não serão mais implantados, liberando recursos públicos para usos com maior retorno social.
A veemente oposição de políticos dos mais diferentes matizes ideológicos à privatização mostra que as forças patrimonialistas sabem exatamente onde estão os maiores ganhos. Chega a ser irônico ver a militância que se diz de esquerda apoiar esses interesses, dando uma roupagem ideológica e estofo intelectual à rapina. Por anos Furnas foi comandada por políticos do PMDB carioca — como Eduardo Cunha — e mineiros do PSDB. O mesmo se observa em outras estatais e empresas públicas — Caixa Econômica, Banco do Brasil, BNB, Valec, DNIT, BR Distribuidora, Casa da Moeda, Petrobrás, Infraero, Cedae, Cemig, Banrisul, etc —, não havendo qualquer desprendimento ou preocupação com a coisa pública, mas interesses partidários e pessoais pouco republicanos que em nada beneficiam a população em geral.
Ao contrário do que pensam os autointitulados defensores do povo brasileiro, não existe um Estado abstrato, altruísta e otimizador capaz de defender o patrimônio nacional e os interesses da população. O que há é a Casa da Moeda nas mãos do PTB, Furnas nas do PMDB carioca, Docas nas mãos do PMDB paulista, Petrobrás dividida entre PP, PT e PMDB, e assim por diante. Geddel como diretor da Caixa Econômica não é um acidente, mas a lógica do sistema. Nesse sentido a privatização é uma medida progressista e, por que não, de esquerda. Ela impede a transferência de dinheiro público para a mão de poucos, reduz a corrupção e espaço para políticas patrimonialistas, aumenta a eficiência econômica e libera recursos e pessoal para a implementação de políticas que realmente importam: educação de qualidade, saúde, saneamento, infraestrutura e segurança.
Fonte: “Valor econômico”, 20/09/2017.
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