ICMS é obstáculo para realização da reforma tributária
Ao propor a equalização do ICMS neste ano, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, parece ignorar a enorme barreira política ante essa reforma
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, levantou na última segunda-feira a possibilidade de realizar neste ano uma reforma tributária parcial. A ideia é que, dois meses após as eleições, o governo articulasse a equalização do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação, o ICMS. O otimismo de Mantega supreende. Ele parece ignorar que o Brasil está em seu quarto governante derrotado pela enorme resistência política em reformar o sistema de impostos e contribuições estabelecido pela Constituição de 1988. E o principal obstáculo é justamente o ICMS.
No Brasil, parcela significativa da arrecadação (47% do total) vem dos impostos que incidem sobre o consumo de bens e serviços. O ICMS é o mais importante deles. A competência sobre este tributo cabe aos estados e ao Distrito Federal, e não ao governo federal. Logo, cada uma das 27 unidades da Federação brasileira tem autonomia para decidir como e quanto cobrar por cada produto e serviço. Conseqüentemente, seu recolhimento transformou-se em um complexo emaranhado de alíquotas, com centenas de regras e exceções. Uma complicação. Como o ICMS é uma grande fonte de receita dos estados e nenhum deles quer perder arrecadação, sua equalização implica uma árdua batalha política com governadores e bancadas estaduais no Congresso Nacional.
Distorções – A guerra fiscal entre os estados é um dos sintomas mais nefastos desse regime. Na tentativa de compensar a falta de atributos relevantes para atração de investimentos privados, como boa infraestrutura e mão de obra qualificada, alguns governos estaduais concedem isenções e subsídios fiscais, sobretudo de ICMS, a alguns segmentos.
O setor têxtil, por exemplo, é tributado por uma alíquota de ICMS de 2,5% no Rio de Janeiro e de 0% a 3% em Minas Gerais, ao passo que o estado de São Paulo trabalha com valores que vão de 7% a 12%. “Um mesmo produto recebe tratamento tributário diferente em cada estado. Isso cria uma complexa estrutura de pagamentos e compensações, além de gerar distorções no sistema de preços”, afirma André Chagas, pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisa Econômica (Fipe).
As discrepâncias no ICMS fazem com os empresários busquem formas de fugir daqueles estados com alíquotas mais altas. Um exemplo disso refere-se à tributação do óleo diesel – combustível essencial para o transporte de carga e para as máquinas agrícolas. O governo do Mato Grosso cobra uma taxa de17%, enquanto os de Goiás e do Mato Grosso do Sul trabalham com 12%. A diferença gritante faz com que levas de caminhoneiros se desloquem até os estados vizinhos para abastecer seus veículos. “Desde 2002 estamos nessa briga com o governo do estado”, conta o primeiro secretário do Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo do Mato Grosso, Bruno Borges. “O estado deixa de crescer e nós deixamos de vender”, reclama.
Outra distorção do ICMS é a “exportação de imposto”. A Lei Kandir, de 1996, isenta aqueles produtos destinados à exportação de pagar o tributo. Contudo, na maioria das vezes, as mercadorias já recolheram ICMS em algum momento anterior da cadeia produtiva. Com isso, o exportador assume esse custo num primeiro momento e gera créditos tributários. Esse estorno do imposto pago é recebido posteriormente dos governos estaduais, após apreciação dos pedidos feitos às secretarias da Fazenda. O problema é que esses créditos podem demorar anos para serem recuperados. Assim, muitos empresários acabam transformando esse ônus (supostamente temporário) em custo, o que encarece e retira competitividade do produto brasileiro.
Substituição tributária – Concebida para evitar a sonegação fiscal de setores com produção concentrada e comercialização pulverizada (como é o caso do fumo e dos medicamentos), a substituição tributária acabou se transformando em um ‘arremedo de reforma’. Por esse sistema, o Fisco cobra o pagamento do ICMS de um único membro da cadeia produtiva, geralmente a indústria, responsabilizando-o pelo recolhimento do imposto relativo a todas as operações anteriores ou subseqüentes. A Receita presume a margem média de valor agregado (diferença entre o preço que o consumidor final paga e o que a indústria vende) para cada segmento e cobra o tributo sobre essa margem. “Para setores com alta taxa de sonegação, a medida é benéfica para todos. Mas hoje não tem como determinar o valor agregado de um celular, uma geladeira ou do arroz. Neste caso, a substituição tributária é ilógica”, explica Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda.
A grande crítica a esse instrumento é o fato de ignorar que a margem de valor agregado varia de situação para situação. No caso dos medicamentos, por exemplo, como o preço máximo é tabelado, as pequenas farmácias de bairro não conseguem competir com as redes. As maiores varejistas compram em grande quantidade e, logo, obtêm descontos dos fabricantes, o que faz com que seu preço médio final seja mais reduzido. Conseqüentemente, sua margem estimada e o tributo cobrado são menores. Já os pequenos, por mais que paguem a mesma alíquota de ICMS, não conseguem trabalhar com preços tão baixos. Assim, o imposto incide sobre uma margem relativamente maior, penalizando-os.
Reforma – Uma proposta de reforma tributária, datada de 2007 e de autoria do senador Francisco Dornelles (PP-RJ), está parada no Senado. A proposta sugere a centralização da cobrança de todos os impostos sobre bens e serviços (IPI, PIS, COFINS, ICMS e outras contribuições) em um único Imposto sobre Valor Agregado, o IVA Nacional, a exemplo do sistema da União Europeia. “Essa proposta chegou a ser discutida, mas foi arquivada porque mexia com os interesses dos estados industriais”, explica o advogado tributarista Ronaldo Galvão, da Gaiofato Advogados Associados.
É justamente nesse ponto em que a reforma emperra. Os estados temem perder receita com a criação de um imposto único ou a equalização das alíquotas. Na reforma anunciada por Mantega, “a União está disposta a dar compensações aos estados que venham eventualmente a ter prejuízos com esta situação, quando acabar a guerra fiscal”. Aos estados, resta chegar a um acordo para que monstro tributário não derrote mais um governante.
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