Encerro nossas conversas deste ano reproduzindo o apelo da Kamila Umbelino Paiva, estudante do 2º ano do Colégio QI, no Rio de Janeiro, ao concluir sua redação sobre “Uma nova forma de governo”, dedicada ao futuro presidente (ele ou ela), e publicada no jornalzinho do Instituto Rogério Steinberg, entidade beneficente: “A verdade é esta”, diz Kamila, “o Brasil precisa de um governo que funcione”. Mais direto, impossível.
Kamila é muito nova para lembrar que padecemos de males detectados há mais tempo do que ela tem de vida. Mas a garota intui, como milhões de outros jovens, quanto será difícil competir e vencer no mundo. Percebe que suas chances não dependem só dela, mas do conjunto chamado Brasil. Seria bom se o recente surto de crescimento acelerado virasse realidade sustentada. Bom para Kamila e melhor para todos. Mas como podemos almejar 6% de crescimento e dobrar a renda das pessoas nesta década se o país onde Kamila nasceu ainda não conseguiu:
– elevar o investimento, como proporção do PIB, para 24%, na média, de modo a garantir as infraestruturas do progresso almejado;
– “choque de eficiência” na gestão pública de modo a assegurar serviços públicos eficazes sem onerar o cidadão (meta de 5% ao ano de ganho de produtividade no governo);
– reduzir a carga tributária dos quase 40% do PIB que, afinal, vão direto para o custo dos produtos, onerando o trabalhador e eliminando a margem competitiva dos empresários ante os importados (meta seria rebaixar para 30% do PIB até 2020);
– rebaixar os atuais 5% do PIB pagos em juros sobre a dívida pública, que sobe a 70% do PIB em termos brutos, verdadeiro tendão de aquiles da estabilidade;
– controlar melhor os 12% do PIB gastos na rubrica previdenciária pública e do INSS, o dobro da média de países em estágio de renda e idade semelhantes ao nosso (meta seria conter em 10% do PIB, até 2020);
– por último, sair do topo da lista das nações mais burocratizadas do mundo (dados do Banco Mundial), o que duplica o custo de tarefas como pagar impostos e se livrar de multas, notificações e intimações.
Kamila provavelmente nunca ouviu falar de taxa de investimento nem de carga tributária nem de gestão pública nem de impasses burocráticos. Mas provavelmente conhece bem alguns dos efeitos dessa imensa e surda ineficiência, na qualidade da educação, na prestação da saúde, na segurança ausente, na justiça lenta. A próxima geração estará mais atenta do que antes à relação entre promessa de político e resultado de governo. E cobrará mais desenvolvimento efetivo, e não a continuação da prosa solta que disfarça a ineficácia da gestão pública.
Entramos no último ano da era Lula, que melhor se chamaria de “duplo ciclo de estabilização (FHC) e inclusão (Lula)”. Foram 16 anos, a provável idade de Kamila. Entramos numa década que pede desenvolvimento mais acelerado, num regime de mais criatividade e menos desperdício, incluídos menos roubos e corrupção. Embora não mentalize, Kamila será capaz de vasculhar, nas promessas de candidatos, quem terá mais capacidade de virar o disco da estabilidade com juro alto e o da inclusão social com ênfase no assistencialismo, para começar a tocar a música do “desenvolvimentismo”, termo hoje quase profano que o ministro Mantega teve a coragem de resgatar em recente entrevista. Kamila não sabe, mas é desenvolvimentista, como o resto do país, à procura de uma agenda para crescer. Pede só que o governo funcione.
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