Economistas austríacos nunca foram dados a exercícios de futurologia, pois acreditamos que a metodologia adequada para a ciência econômica não se presta a tal. No entanto, isto não nos impede de anteciparmos qualitativamente o comportamento de algumas variáveis, mediante a simples aplicação da análise praxiológica.
Estamos atravessando a pior crise econômica de nossa história, talvez apenas comparável à do governo de Campos Sales (1898-1902), herdada de seu antecessor Prudente de Morais (1894-1898), cujo ministro da Fazenda, Rui Barbosa, destruiu a economia com a loucura do encilhamento, uma bolha de crédito inacreditável. O sucessor de Rui, o médico homeopata Joaquim Murtinho, prescreveu então uma receita bastante ortodoxa e alopata (como teria que ser) para consertar os enormes estragos provocados pelo jurista que não entendia de economia, remédio forte e cujo amargor perdurou durante todo o governo de Campos Sales. Preparou então Murtinho, em meio à forte recessão purificadora, o terreno para que o governo seguinte – o de Rodrigues Alves – pudesse fazer a colheita, como de fato aconteceu, já que foi o mais próspero da Primeira República.
Essa pequena digressão àquele período parece-me apropriada não apenas pela intensidade das duas recessões, mas porque Campos Sales dispôs-se a atacar de frente o problema, sem se importar com sua popularidade, como se deveria esperar de qualquer estadista de boa estirpe, o que nos conduz à pergunta: estará Temer de fato, a exemplo de Salles, disposto a mergulhar de cabeça nas profundas reformas que o setor público está a exigir, sem se importar, como tem afirmado, com a baixa popularidade? Se estiver, terá ele o apoio necessário de sua base parlamentar para que as reformas avancem e para que não se limitem a medidas de “meia bomba”? E mais, saberá seu banco central resistir às fortíssimas pressões para que diminua a taxa básica de juros, oriundas de todos os setores da sociedade, impregnados de keynesianismo vulgar?
Parece oportuno lembrar que, diferentemente da recessão de Campos Sales, a atual está acompanhada de uma crise política com poucos precedentes em toda a nossa história, em que ocorreu o impedimento da presidente eleita em 2014, em que Temer não dispõe da base popular de um presidente efetivamente eleito como tal, o ex-presidente da Câmara está preso, o do Senado envolvido em diversos processos por suspeita de corrupção, o ex-presidente Lula poderá ser preso e, aditivamente, o Judiciário e o Legislativo recorrentemente se comportam como gato e rato.
A Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos (TACE) pode não ser perfeita, mas é, de longe, a que explica melhor as causas das flutuações econômicas, a que analisa com acerto em que consistem as recessões e, adicionalmente, a que mostra o caminho para sair das estagflações. Como sabemos, a recessão consiste na eliminação pelos agentes econômicos dos maus investimentos que foram incentivados pelo governo no passado, quando bombeou crédito artificialmente barato na economia (isso aconteceu no Brasil entre 2007 e 2014) e a saída da recessão não requer nenhum remédio milagroso à la Keynes, mas pura e simplesmente que o banco central estanque a hemorragia de crédito e o governo espere o tempo passar para eliminar as alocações equivocadas de recursos que foram feitas. Essa teoria explica a recessão de Campos Sales, a de 1921 nos Estados Unidos, a Grande Depressão dos anos 30, a Grande Crise de 2008 e a atual crise brasileira. Se os economistas se dedicassem a estudar a Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos, posso garantir que suas análises certamente seriam infinitamente melhores do que as que vemos diariamente por parte da mainstream, que se limitam à repetição de clichês keynesianos e, às vezes, monetaristas.
Mas não basta que o governo – como escrito acima – se limite a estancar a expansão do crédito e esperar o tempo passar, porque temos um grande problema a ser resolvido, sem o qual a própria atitude acertada de estancar o crédito e deixar passar o tempo pode ficar impossibilitada. Trata-se do enorme, gigantesco e monumental desajuste nas contas do setor público; da tacanha, estúpida e obtusa burocracia; da sufocante, abafadiça e asfixiante carga tributária; da incoerente, disparatada e despropositada lei trabalhista; da parva, estulta e pacóvia compulsoriedade do imposto sindical e dos demais componentes do custo Brasil. Não se preocupe com o excesso de adjetivos, mas com o excesso exorbitante, hiperbólico e supino do Estado na vida dos brasileiros! Essa é, sem qualquer dúvida, a raiz do problema.
Vamos resumir todas essas dificuldades em uma palavra: reformas. E voltar às questões a que me referi acima: se Temer está ou não disposto a realizá-las na intensidade e profundidade necessárias e se terá ou não base no Congresso para isso.
Minha resposta a essas duas indagações, infelizmente, é: não e não. Por quê?
Não há como acreditar que sim. Senão, vejamos. A chamada PEC do Teto foi um exemplo: um avanço sem dúvida, mas insuficiente e que mesmo assim provocou enormes reações. A reforma do ensino médio proposta seguiu o mesmo caminho. As medidas de desburocratização recentemente anunciadas são de uma timidez impressionante. A proposta de reforma da previdência não toca na essência do problema, que é o regime de repartição, que deveria ser alterado para o de capitalização e com extinção da obrigatoriedade da previdência estatal, a exemplo do que fez o Chile. A equipe econômica há poucos dias convocou uma coletiva de imprensa para anunciar algumas medidas tópicas, sem qualquer profundidade.
Em suma, vamos recorrer a uma metáfora: se os governos do PT se comportavam como cachaceiros que perderam o caminho de casa, o de Temer mais parece um bêbado que se lembra de onde mora, mas que caminha a passos lentos, dois para frente, um para trás, outro para o lado…
Gostaria de escrever que 2017 será o ano da saída da crise e do controle da inflação, mas para isso seria necessário, primeiro, que o governo tivesse plena convicção não apenas de que as reformas são necessárias, mas também da profundidade a ser exigida nessas reformas; segundo, que tivesse base parlamentar sólida e não sujeita às chuvas e trovoadas que se abatem sobre o sistema político e que têm sido ainda mais fortes nestes tempos de Lava Jato; e terceiro, que também se faria necessária uma reforma de nossa constituição socialista, mas isso está por ora fora de cogitação.
A TACE é bastante clara: para vencer a estagflação basta que o governo deixe que os maus investimentos do passado sejam liquidados pelo próprio mercado e que o banco central pare de expandir o crédito e manter as taxas de juros em níveis artificiais. Contudo, sem uma profunda e contundente reforma no regime fiscal, dificilmente um governo poderá manter essas diretrizes, porque o crescimento da dívida interna mais cedo ou mais tarde exigirá que o déficit seja financiado pela expansão da moeda. Por isso, sem essa reforma – e nunca é demais frisar – profunda, o bêbado continuará sabendo como chegar a sua casa, mas não conseguirá fazê-lo.
O que esperar então de 2017? Nesse quadro que mais se parece com um espesso nevoeiro, infelizmente, pouco podemos esperar de positivo. É evidente que melhoramos em comparação com o governo anterior, mas seria preciso melhorar muito mais.
Aposto, então, em uma e outra reforma tópica e sem profundidade, capazes de conter a expansão desmedida dos gastos públicos, mas incapazes de proporcionar o ambiente que se faz necessário para que as forças de mercado possam operar de maneira a conduzir o ébrio até a sua casa em segurança. Assim, a medida usada pelos economistas mainstream – o PIB – deverá apresentar no período de janeiro a dezembro um crescimento próximo de zero, talvez ligeiramente positivo, se os empecilhos políticos não forem muito fortes.
Quanto à inflação de preços, poderá ficar próxima ao centro da meta estabelecida para o ano, desde que esses empecilhos também não sejam muito relevantes e desde que o banco central não se aventure em diminuir a taxa básica de juros sem a devida contrapartida da solução para o problema fiscal. Como isso não deverá acontecer, a inflação de preços poderá ficar bastante próxima da de 2016, estourando, portanto, a meta para 2017. O desemprego – que não é, como a maioria supõe, a “cura” para a inflação, mas sim consequência da inflação monetária – , deverá apresentar resistência ao longo de todo o ano, sem qualquer queda acentuada.
Peço desculpas ao leitor se o deixei com uma sensação de frustração, mas a verdade é que o realismo cobra sempre o preço justo, enquanto as ilusões exigem juros em bola de neve.
Fonte: Ubiratan Iorio, 30 de dezembro de 2017.
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