*com Renato Fragelli
A eleição de 2014 foi uma oportunidade perdida para se discutir a fundo os gravíssimos problemas fiscais — alguns deles estruturais — do país. Todos os candidatos fugiram de um debate sério, enquanto Dilma Rousseff escondia a crise iminente. O resultado é que a maioria da população — e seus representantes — ainda não se convenceu da gravidade de uma tendência que tende a piorar nos próximos anos. Se o mesmo roteiro for repetido na próxima eleição, corre-se o risco de um candidato populista — de esquerda ou de direita — ser eleito, o que trará mais quatro anos de crise econômica.
Após o afastamento da desastrada administração Dilma, o novo governo deu início a uma bem-sucedida arrumação da casa, tendo conquistado a confiança dos mercados. O resultado começa a ser colhido. A recessão terminou e a inflação, que em 2015 atingiu 10,7%, deverá terminar 2017 no piso da banda. Isso permitirá ao Banco Central reduzir a taxa de juros Selic abaixo do piso histórico de 7,25%. O desemprego começa a cair, enquanto o Ibovespa e o superávit comercial batem recordes.
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Mas é preciso ter em mente que a retomada atual é apenas cíclica. Diante da elevada capacidade ociosa, há espaço para uma recuperação sem pressão inflacionária. Mas nada indica uma trajetória sustentável de crescimento à frente, pois isso exigiria investimentos que permanecem estagnados. Ocorre que, num ambiente de profundo desequilíbrio fiscal, com déficit primário de 2,5% do PIB e endividamento público galopante, não se consegue sequer calcular a rentabilidade de um investimento, pois esta poderá ser comprometida crucialmente por um futuro aumento da tributação, ou pela volta da inflação, caso não haja redução permanente da despesa pública primária.
O governo Temer, por sua fragilidade política, não logrou até agora promover um ajuste fiscal, conforme atesta o déficit primário de R$ 160 bilhões deste ano. Seu tão celebrado Teto dos Gastos é ainda uma carta de intenções cujo cumprimento dependerá de profundas reformas, entre elas a da previdência, que até o momento não avançou.
Outras reformas microeconômicas importantíssimas, em particular a reforma tributária, terão que ser implantadas, pois a busca frenética por receitas levou os Estados da federação a criarem um cipoal tributário sem precedentes que prejudica imensamente o funcionamento das empresas. São reformas que mexem com grupos de interesse organizados que vêm bloqueando-as há décadas. Somente um governo eleito com o propósito declarado de implantá-las terá cacife político para levá-las adiante. Entretanto, se o próximo presidente esconder o problema durante a campanha eleitoral, não terá legitimidade para implantar qualquer reforma mais profunda.
Em 2014, os analistas de boa formação sabiam que a situação fiscal era dramática, mas o governo Dilma conseguiu escondê-la até as eleições. Para isso lançou mão de vários instrumentos artificiais, como o congelamento de preços de combustíveis, a redução desastrada de tarifas de energia elétrica e a contenção da taxa de câmbio por meio de venda maciça de US$ 110 bilhões em swaps cambiais. Após a eleição a realidade se impôs, com correção dos preços artificialmente contidos, o que levou a um salto da inflação, seguida da mais profunda recessão de que se tem registro.
O governo Dilma foi então acusado pela oposição de estelionato eleitoral, por ter feito de tudo para esconder a crise plantada por sua irresponsabilidade fiscal. Mas o fato é que o principal candidato oposicionista foi conivente com aquela farsa, pois preferiu não denunciar claramente, durante o debate eleitoral, que a crise fiscal era profunda e que seria necessário um severo ajuste para recolocar a economia nos trilhos. Optou por adotar uma estratégia eleitoral oportunista de quem receava perder votos caso levantasse o problema. Temia que sua adversária usasse a previsão de sacrifício à frente como evidência para convencer eleitores de que se ele fosse eleito “tiraria a comida da mesa do trabalhador”. A candidata da Rede, Marina Silva, seguiu estratégia semelhante.
Após a abertura das urnas, o resultado foi uma dupla derrota. A primeira foi uma a derrota eleitoral de curto prazo. A segunda, com impacto de longo prazo, foi uma derrota política, decorrente do fato de Aécio Neves não ter deixado impregnado na mente do eleitor a necessidade de um ajuste fiscal profundo. A crise plantada por Dilma em seu primeiro governo, que eclodiu implacável após as eleições, poderia ter jogado no colo do PSDB boa parte do eleitorado que se sentiu traído pelo estelionato. Mas o PSDB não deixou na memória popular nenhuma mensagem clara no campo fiscal, nenhum registro inequívoco de que a crise era previsível já no ano eleitoral. Quem não planta não colhe adiante.
O ano de 2018 será um divisor de águas para o país. Caso seja eleito um presidente responsável e com diagnóstico correto, poderão ser implantadas reformas estruturais — previdência, fiscal e tributária, para citar as principais — iniciando-se um longo período de recuperação do tempo perdido. Tempo perdido tanto em termos de crescimento como de implantação de políticas sociais mais agressivas de que o país tanto necessita. Mas a eleição de um populista não está descartada.
Infelizmente, o partido que seria o herdeiro natural do desastre econômico do triênio 2015/2017 não só perdeu parte de seu capital político por erros de estratégia eleitoral, como permanece desnorteado, atolado em disputas internas e parecendo, cada vez mais, um partido sem ideias e princípios. Ainda há muito tempo até as eleições e o quadro pode e deve mudar. Mas no momento não há razões para otimismo.
Fonte: “Valor econômico”, 25/10/2017.
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