Este é o quarto artigo da série de oito temas, como contribuição para a “Agenda 2019” que aguarda o futuro presidente a ser eleito em outubro. O assunto hoje é o ajuste do gasto público, de modo a permitir o cumprimento da regra do teto da despesa aprovada em 2016, sem estrangular o espaço de rubricas importantes de dispêndio. A agenda se divide em três categorias, que deixam fora INSS e Loas/RMV (47% da despesa exceto transferências a Estados e municípios), despesas constitucionais ou legalmente rígidas (17% do total) e rubricas onde se dá a ação por excelência das políticas públicas ou que não deveriam ser sujeitas a cortes (9% do total).
As 3 categorias restantes, que somaram 27% do total em 2017, são:
1. Pessoal. Pelo seu peso (R$ 284 bilhões em 2017, aproximadamente 4,3% do PIB e em torno de 22% do gasto primário exclusive transferências a Estados e municípios) merece uma reflexão específica. Trata-se de uma rubrica que era de 3,9% do PIB em 2014 e que em 2017 teve um crescimento real de 6%, utilizando o deflator implícito do PIB. Aqui a prescrição é mais ou menos óbvia. Primeiro, depois de 2019, definir um congelamento nominal da despesa para 2020, estipulando um reajuste nominal de, por exemplo, 0,5% para 2021 e 1% ao ano para 2022: será preciso reduzir o valor real dessa despesa, para abrir espaço para o crescimento de outros itens, em um quadro de vigência do teto da despesa. E segundo, propor uma Lei de Greve que puna com o corte de ponto as categorias que fizerem paralisações, evitando que o governo fique em xeque diante das reações corporativas.
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2019 (I) – A carga tributária
2019 (II) – O salário mínimo
2019 (III) – Reforma previdenciária
2. Despesas passíveis de redução. São representadas por duas grandes rubricas: Fies e subsídios e subvenções. A soma de ambas foi de R$ 25 bilhões em 2017, ou seja, 0,4% do PIB e em torno de 2% daquele total de gasto. A proposta é que estas rubricas caiam até a metade em termos reais até o final do governo, em 2022, devido à ação deliberada do governo no sentido de reduzir esse tipo de atuação governamental.
3. Despesas elimináveis. Trata-se de um conjunto de itens que deveriam, pura e simplesmente, ser zerados. Eles corresponderam em 2017 a um valor somado de R$ 40 bilhões, representando 0,6% do PIB e 3% do gasto total. Aqui cabe ter um olhar mais detalhado sobre a questão, daí a necessidade de decompor e explicar melhor o ponto. É o que fazemos a seguir, com a consequente desagregação daquele valor, referente a 2017:
1- Abono salarial (R$ 17 bilhões em 2017). Trata-se do benefício de um pagamento extra pago aos assalariados com carteira de trabalho de menor renda, uma vez por ano. Não há justificativa lógica para a perpetuação da continuidade desse fluxo de pagamentos sine die, no contexto de uma situação fiscal marcada por grandes dificuldades.
É um benefício em que não há uma despesa associada a políticas públicas chave (como saúde, educação ou segurança), não tem natureza assistencial e nem está vinculado a contrapartidas prévias, como a aposentadoria do INSS. É uma espécie de décimo-quarto sanão lário para um conjunto de pessoas, que poderia ser justificado quando não existiam os programas assistenciais que existem hoje e a situação fiscal era melhor, mas que não cabe mais atualmente. Deveria ser extinto gradualmente, com redução dos pagamentos em 25% por ano ao longo de 4 anos;
2- Lei Kandir (R$ 4 bilhões em 2017). É um resquício do passado. Formalmente, é uma compensação pela retirada de uma tributação ocorrida em 1997 e que penalizou os Estados. Mais de 20 anos depois do “fato gerador”, hoje essa despesa não passa de uma excrescência orçamentária. Ainda que as pressões no Congresso caminhem na direção contrária, analogamente ao caso anterior, a rubrica poderia ser extinta aos poucos, colocando uma despesa de R$ 3 bilhões no orçamento de 2020, com queda de R$ 1 bilhão por ano até a dotação ser zero em 2023;
3- Compensações pelas desopróximo nerações do Regime Geral da Previdência Social (R$ 14 bilhões em 2017). A rigor, é um gasto “sui generis”, porque o que sai como despesa nessa rubrica entra como receita nas contas do INSS, de modo que o efeito é fiscalmente neutro. O assunto, de certa forma, já está em pauta no atual governo. No contexto da “reoneração” das isenções decididas no governo Dilma, esta rubrica deveria ser eliminada até 2022; e 4Compensação pela cobrança de adicional do FGTS (R$ 5 bilhões em 2017). Este assunto também já está em processo, com previsão de queda da sua importância ao longo do tempo. Analogamente aos outros casos citados, esta dotação deveria ser gradualmente reduzida, até ser extinta.
Com a redução desses valores, o governo ganharia espaço fiscal para comportar algum aumento da despesa dos diversos Ministérios, comprometida por ocasião do ajuste de 2016-2017 e que deveria aumentar, por conta da melhoria de algumas políticas públicas cujo êxito depende de uma maior dotação orçamentária, com destaque para o papel do investimento.
Fonte: “Valor Econômico”, 13/06/2018