Este é o quinto de uma série de notas sobre a agenda para o próximo governo. O tema hoje é a reforma tributária. A postulação do assunto como uma das questões associadas ao governo seguinte acompanha o país desde que me formei em 1983. O curioso é que, embora ele ainda seja um tema pendente, nesses 35 anos não houve uma, mas várias mini-reformas.
As mudanças mais importantes foram a importância da arrecadação – passamos de uma carga tributária de 25% do PIB para o nível atual próximo a 35% do PIB – e a perda de qualidade do sistema tributário, hoje um dos que mais prejudicam a produtividade na comparação com o resto do mundo. Assim, o sentido da reforma foi mudando, de algo cujo objetivo era incrementar a arrecadação, para um item da agenda de melhora da competitividade, para mitigar distorções que afetam a eficiência.
Há um assunto que precede o tratamento das nuanças envolvidas: o timing. A experiência indica que nenhum governo é capaz de impulsar duas grandes reformas ao mesmo tempo. E o Brasil terá pela frente, tão logo o novo governo assumir em janeiro, duas prioridades. A primeira será tomar medidas imediatas de ajuste, para obter um resultado primário em 2019 e 2020 melhor que o previsto no quadro prospectivo da LDO. E a segunda será aprovar, com urgência, uma reforma previdenciária, sem a qual o cumprimento do teto constitucional no próximo governo se tornará impossível. Nesse contexto, discutir profundamente uma proposta de reforma tributária será um verdadeiro desafio, especialmente se a ambição for que ela venha a se tornar a reforma tão aguardada há tantos anos.
Houve perda de qualidade; passamos de uma carga tributária de 25% do PIB para o nível atual perto de 35% do PIB
Leia mais
2019 (I) – A carga tributária
2019 (II) – O salário mínimo
2019 (III) – Reforma previdenciária
2019 (IV) – o ajuste do gasto
Há duas agendas que deverão ser contempladas nesse debate. A primeira é a que se refere à zona de fronteira entre a tributação das pessoas física (PF) e jurídica (PJ). Os casos em que uma PF “vira” PJ para fugir da alíquota marginal mais elevada de 27,5%, acolhendo-se aos benefícios da legislação sobre o lucro presumido; e o recorrente tema da tributação de lucros e dividendos, terão que ser objeto dessa reflexão. Embora tal objetivo não seja o fator motivador principal da reforma, pode haver espaço para algum aumento da arrecadação, mediante o fechamento de possíveis brechas existentes na legislação.
A segunda agenda é, obviamente, composta pelo conjunto de itens que têm sido debatidos há anos, referentes à multiplicidade de normas referentes à cobrança de ICMS e às complicações associadas aos diversos impostos indiretos cobrados pelo Governo Federal. É natural que, diante do cipoal de disposições normativas, seja tentador propugnar a criação de um grande Imposto sobre o Valor Adicionado (IVA) federal e unificado, com regras de repartição claramente definidas, algo que, com os avanços da informática, hoje é certamente mais fácil de automatizar que 20 anos atrás. O grande problema desses arranjos substitutos é que sempre deixam perdedores, no sentido de que uma alíquota média será benéfica para alguns Estados, mas prejudicial para outros. Isso ensejaria a necessidade de alguma compensação, a ser definida por meio de mecanismos explícitos que não tragam um ônus fiscal para o caixa dos Estados que perderiam com a reforma. O mecanismo poderia ser endereçado mediante um ajuste muito suave no tempo do efeito da reforma sobre as finanças subnacionais, nos moldes preconizados pelo Centro de Cidadania Fiscal (CCiF) pelos quais o ajuste é implantado com uma transição de décadas.
Em função do conjunto de considerações acima, sugere-se que o próximo governo, em janeiro:
crie uma Comissão da Reforma Tributária, composta por cinco especialistas com notório conhecimento, com a atribuição de propor uma reforma após ouvir uma ampla gama de agentes envolvidos na discussão (governadores, congressistas, acadêmicos,
empresários, etc.); e determine que a referida Comissão apresente, até primeiro de julho de 2019, sua proposta de reforma tributária, contemplando tanto itens a serem abrangidos numa Proposta de Emenda Constitucional (PEC) como aqueles que vierem a ser objeto de legislação ordinária, em ambos casos com as suas correspondentes proposições de redação, a serem encaminhadas até o final do próximo ano ao Congresso Nacional. Assim, tendo votado até o terceiro trimestre do ano as medidas de ajuste e a reforma previdenciária, o Congresso estaria pronto, a partir de então, para discutir ao longo do final de 2019 e primeiro semestre de 2020 tal proposta, podendo a nova legislação ser votada antes das eleições municipais daquele ano.
O país poderia ingressar então em 2021 com as contas públicas em processo de ajuste e tendo deixado para trás as reformas previdenciária e tributária. O cronograma é viável, mas demandará uma condução, da parte do Poder Executivo, com uma enorme capacidade de negociação política (OBS: agradeço a interlocução com Bernard Appy, cuja generosa colaboração ajudou a aprimorar o conteúdo do artigo).
Fonte: “Valor Econômico”, 11/07/2018