Hoje completo a série de oito artigos com propostas para o governo que assumirá em janeiro em função do resultado da eleição. O último tema é o regime de metas de inflação. Quando este se iniciou, o país tentou ter um sistema que convergisse para metas muito baixas, que esbarrou nas dificuldades vivenciadas pela economia brasileira a partir de 2001. Depois de alguns anos tumultuados, a partir de 2005 e por um período de 14 anos, vigorou uma meta de 4,5%.
Ano passado, o governo anunciou duas novidades. A primeira foi a redução da meta, pela primeira vez desde meados da década passada. E a segunda foi a mudança da periodicidade, uma vez que ao invés de em junho ser definida a meta dois anos à frente, estendeu-se o período de alcance da meta e ela foi fixada também para 2020, quando será de 4%, tendo sido a meta de 2019 definida em 4,25%. Em junho do corrente ano, o Governo apontou a meta de 2021, que, conservando a tendência, foi definida em 3,75%, com nova queda de 25 pontos.
Confira outros artigos da série
2019 (I) – A carga tributária
2019 (II) – O salário mínimo
2019 (III) – Reforma previdenciária
2019 (IV) – O ajuste do gasto
2019 (V) – Reforma tributária
2019 (VI) – Abertura comercial
2019 (VII) – As concessões
Diante disso, o próximo governo terá que se posicionar acerca do que fazer com a continuidade do regime. Mantida a regra, ele terá que definir em 2019 a meta de 2022 e assim sucessivamente, até definir a meta de 2025 no seu último ano de gestão, em 2022.
A proposta é que as metas sejam:
Para 2022 (definida em 2019): 3,50%, com intervalo de 1,5% acima e abaixo da meta Para 2023 (definida em 2020): 3,25%, com intervalo de 1,5% acima e abaixo da meta A partir de então, a sugestão é que em 2021 o governo mude a sistemática e defina uma meta permanente de 3%, com intervalo de 1,5% acima e abaixo da meta a partir de 2024, regime esse próximo ao que é adotado por um grande número de economias emergentes com sistema de meta de inflação.
Há boas razões para seguir essa estratégia, comparativamente à alternativa de ter metas de inflação maiores. A primeira delas é que isso nos aproximaria da inflação observada nos países que constituem o benchmark entre as economias emergentes. Nos últimos anos, economias como a China ou a Coreia do Sul têm tido taxas de inflação muito baixas, como mostra a tabela. Mesmo na América Latina, os países mais estáveis têm uma variação anual dos preços em geral em torno de 3%.
A segunda razão é o efeito que isso teria sobre a disposição a investir do empresariado. A tragédia dos três anos consecutivos de queda da renda per capita 2014/2016 começou quando os agentes econômicos passaram a ter dúvidas sérias acerca do comprometimento do país com a sustentação de uma inflação baixa. A melhor forma de combater esse risco é ter uma meta de inflação estável, em nível consistente com as melhores práticas e que promova a confiança necessária para tomar decisões relevantes para o investimento de longo prazo, como ocorre nos países que deram certo.
A terceira é o viés que na prática existe no regime de metas em um país como o Brasil. Entre 2005 e 2016, a meta em todos os anos foi de 4,5%, não obstante o que a inflação efetivamente verificada foi de 5,7% ao ano. Por quê? Porque quando a inflação é maior do que a meta, a sociedade tem certa tolerância a esses desvios, ao passo que quando ela é inferior ao alvo, há uma pressão para que o Banco Central afrouxe a política monetária e “corrija o equívoco”. A resultante é que quando a inflação é maior que a meta o retorno a ela é lento, ao passo que, quando é inferior à meta, muitas forças se conjugam para que o retorno seja mais rápido.
Em consequência, a inflação média se revela maior que a meta. Isso significa que se a meta for de 3%, é possível que na prática ao longo de dez ou vinte anos a taxa média que de fato será observada será provavelmente uns décimos superior à meta, o que significa que a inflação talvez não seja estritamente de 3%.
Poderemos então, nesse contexto, sacramentar a vigência do “nominalismo” em substituição ao regime de indexação que na prática perdura em muitos aspectos de nossas práticas habituais, tanto no mercado de bens, como no de trabalho e no mercado financeiro. Em particular, caso esse ambiente se configure, o Tesouro, em minha opinião, daqui a alguns anos deveria deixar de emitir as Letras Financeiras do Tesouro (LFT) indexadas à Selic e substitui-las por LTN – em parte – e NTN-F, ambas representando papéis com taxas prefixadas, aumentando o poder da política monetária.
O Brasil estava começando a se dirigir rumo a esse mundo novo quando foi atropelado pelas crises de 2001/2002. Quase 20 anos depois, poderemos retomar esse caminho. Se o próximo governo trabalhar bem, é claro.
Fonte: “Valor Econômico”, 10/10/2018
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