Será que nosso desempenho financeiro nos últimos 15 anos garante os próximos 30? É a pergunta que economistas fazem quando o país busca recursos em troca de dívida a vencer daqui a quase três décadas. Você aceitaria ser esse credor? Quem enfrentou essa questão foram os compradores do mais recente papel emitido pelo governo brasileiro, o “Global 2037”.
Os investidores que se interessaram pelo papel, ou título, sentiram-se seguros o bastante com o negócio para se tornar credores de longo prazo do Brasil. Eles terão retorno em dólares e deram-se por satisfeitos com uma remuneração de 6,45% ao ano, o juro mais baixo já alcançado por esse tipo de emissão. É verdade que os juros de papéis de governos estão com taxas inferiores a seus patamares históricos, nos Estados Unidos, na Europa e na Ásia. Isso, porém, não diminui o caráter extraordinário de o Brasil ter conseguido despertar interesse de investidores pagando a eles menos de 2 pontos porcentuais (ou 200 pontos-base) acima do juro oferecido por títulos do cambaleante Tio Sam. Quanto mais segurança o investidor vê no papel, menor remuneração ele aceita.
Os tempos mudaram, e nosso país definitivamente amadureceu aos olhos de quem tem apetite para o risco Brasil. Embora o comprador de um título que vence daqui a 28 anos não esteja obrigado a morrer abraçado ao papel, o fato de o Global 2037 ser uma dívida muito longa poderia acarretar fortes prejuízos a seu detentor.
Digamos que em 2010, no meio da próxima disputa eleitoral para a Presidência da República, apareçam sinais de que o vencedor da disputa será alguém capaz de pôr em risco os anos de estabilidade do período do Real. O mercado de títulos de dívidas longas é uma espécie de boletim de bom comportamento financeiro: quem dá a nota nesse boletim é o próprio investidor. Qualquer piora na confiança do país faz subir a taxa de juros, por exemplo, de 6,45% para 8%, o que implica queda do preço do papel no mercado secundário (em que um investidor repassa o título a outro). Na “escala do mercado”, a mudança do juro mede a alteração do sentimento do investidor, que vê o preço de seu papel aumentar ou diminuir.
A procura pelo título Global 2037 foi cerca de 14 vezes o valor oferecido, de US$ 500 milhões, mostrando que há muito respeito pelo trabalho das autoridades econômicas brasileiras e admiração pela forma como o país enfrenta a crise global. Mesmo assim, continua havendo muito tempo a correr até 2037. Mesmo que os investidores continuem otimistas com nosso país, dificilmente um fundo comprador manterá esse título na carteira até o vencimento. Hoje, os investidores apostam que o juro de 6,45% ainda é alto e poderá cair mais, num prazo relativamente curto, gerando aumento do preço do papel. Se isso acontecer, os primeiros investidores venderão o Global 2037 com lucro, e ele passará para outras mãos, de gente com apetite de apostar em novas baixas do risco Brasil.
Brasileiros também podem comprar ou vender o risco Brasil de várias formas, mesmo sem investir. Como residentes aqui, podemos optar a cada dia por ficar ou sair do país. Os jovens de 20 anos hoje serão, em 2037, os residentes com 50 anos, no comando do Estado e das empresas, que terão optado por ficar no Brasil até o vencimento de seus “títulos de crédito”, comprados com muito trabalho.
Pergunto-me se os jovens, que, neste momento, apostam seu futuro no cenário de estabilidade econômica e no aperfeiçoamento político e social do país, têm as mesmas garantias que os atuais investidores financeiros do título Global 2037. Esses brasileiros de 20 anos que apostam no Brasil concentram suas fichas num país que ainda dará muitas voltas difíceis até 2037. Com certeza, eles tomam uma decisão muito mais séria e aceitam riscos muito mais altos que os investidores nos papéis do governo.
(Publicado em “Época”)
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