Não faz muito, a honrada senhora presidente da República proclamou que muito se fala no agravamento da crise que se estende na Europa, mas que ela não atingiria o Brasil, que ostentava a cômoda situação de estar “300% preparado” para enfrentar a crise (sic). E, referindo-se aos que, ao seu juízo, apostam nela, como em 2008, terminarão amargando sua má previsão. Sua olímpica posição é absoluta. No entanto, sua equipe econômica, senão a própria presidente, estaria a examinar a hipótese de terminar o ano com o resultado primário menor que o projetado que, até ontem, era inquestionável; a implacável redução da atividade econômica explicaria a mudança. O mesmo fenômeno levara-a a encomendar um “choque de investimentos” levando-se em conta o mau resultado da economia no primeiro trimestre e o agravamento da crise europeia. Mas nada disse a respeito do tipo de investimentos encomendado, o que muito importa.
Desnecessário dizer que nem de longe questiono a sabedoria das posições oficiais, mas também me parece induvidosa a existência de fatos que não podem ser ignorados nem menosprezados, como os divulgados pelo IBGE acerca do PIB relativo ao primeiro trimestre do ano em curso, cujo crescimento se limitou à constrangedora escala de 0,2%, em relação ao último trimestre do ano passado. Esse resultado, qualquer que seja a qualificação que se dê, jamais será bom nem sequer satisfatório, tanto mais quando se apregoava desde o começo do atual quadriênio que atingiria 3%, 4%, 6% senão mais. O melancólico crescimento de 0,2% levou o BNDES a estimar que o resultado anual do PIB possa ficar em 2%, o que seria nada brilhante. É verdade que o douto ministro da Fazenda saltou sobre o mofino 0,2% para prever, olhos cerrados, que, no já trimestre em curso, o crescimento será extraordinário, de modo a permitir crescimento consagrador para o ano inteiro, hipótese caprichosa que nem todos admitem.
Voltando a terra e à dura realidade, é de lembrar-se que segundo mapeamento do BNDES, nos próximos quatro anos, os investimentos privados declinarão em R$ 35 bilhões, o que não é auspicioso. E, embora se apregoe que tudo vai maravilhosamente bem, empresas de vulto estão adotando medidas que só em tempos adversos são tomadas. Assim, por exemplo, em consequência da queda de 20% no mercado de caminhões no ano em curso, a Mercedes-Benz concluiu acordo com o Sindicato de Metalúrgicos do ABC para a suspensão, por cinco meses, do contrato de trabalho de 1,5 mil trabalhadores de sua fábrica do ABC paulista. Em 50 anos de sua atividade entre nós, é a primeira vez que a empresa se serve desse mecanismo a fim de evitar a demissão de funcionários, notando-se que já recorrera a férias coletivas e licenças remuneradas, para contornar a retração da demanda; saliente-se que tais expedientes têm sido utilizados por outras empresas de grande porte. Muito mais haveria a aditar ao exposto, mas este é bastante para mostrar que não é por prazer, e seria um prazer mórbido, mas porque alguns efeitos oriundos do Mercado Comum Europeu ou da China já chegaram e, querendo ou não, já atingiram setores nada desprezíveis da nossa economia. E queira Deus que fique por aí.
Por derradeiro, parece-me oportuno ponderar que enquanto o governo está voltado para a massa de veículos produzida e não vendida, baixando o IPI e alargando o prazo, descuida dos investimentos que cabe ao poder público implantar e aumentar, de modo a aparelhar o empreendimento econômico aos tempos novos que hão de vir. Isso sem considerar o pesado endividamento das famílias e a insolvência crescente de número significativo de adquirentes e sem negar a utilidade de suas providências, considerando a importância desse setor da economia.
Por falar em insolvências, deixei de mencionar, o que seria imperdoável, que o onímodo titular da Fazenda informou que o governo preparava um projeto de lei, suponho, para acabar com ela… Se tiver êxito, será candidato certo e forte ao Prêmio Nobel de Economia.
Ainda bem que podemos dormir tranquilos, uma vez que o nosso país está “300% preparado” para enfrentar a crise que flagela outros povos…
Fonte: Zero Hora, 11/06/2012
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