Pelo menos 10 das 26 companhias públicas estaduais de saneamento do país não cumprem os requisitos mínimos de saúde financeira exigidos pelo Novo Marco Legal do Saneamento, em vigor desde julho do ano passado. Pelas novas regras, elas podem ter que ser privatizadas pelo governo de seu estado caso não cumpram esses requisitos e não comprovem que têm capacidade de fazer os investimentos necessários para universalizar seus serviços de água e esgoto nos próximos anos.
A conta foi feita pela consultoria GO Associados, que analisou quantas das principais estatais do setor no país atendem a esses novos critérios definidos na nova lei. São recortes que verificam o nível de lucratividade, endividamento e geração de caixa da empresa e que, com isso, avaliam se, na maneira como está, a operação gera recursos suficientes para investir ou para ter crédito aprovado junto aos bancos públicos e privados.
Preliminar, o estudo da GO Associados analisou a situação econômica de 20 companhias estaduais, dentro do universo de 25 estados mais o Distrito Federal que possuem a sua empresa pública local de água e esgoto. Destas, dez, ou 39% do total, seriam reprovadas em pelo menos um dos quatro critérios de sustentabilidade financeira que foram definidos, o que indica que estão altamente endividadas ou que, por exemplo, têm despesas recorrentemente maior do que as receitas.
Nove delas estão em estados do Norte e do Nordeste, como Maranhão (Caema), Rio Grande do Norte (Caern), Pará (Cosanpa) e Amazonas (Cosama), além da Casan, a companhia de águas de Santa Catarina.
As reprovadas
De 20 companhias estaduais de saneamento analisadas, 10 não cumprem todos os 4 requisitos econômico-financeiros exigidos.
As finanças das outras dez companhias analisadas no levantamento cumprem os quatro critérios estabelecidos e têm, portanto, a situação financeira mais robusta. Entre elas, estão estatais com capital aberto e já consolidadas na bolsa de valores, como a Sabesp (de São Paulo), a Sanepar (Paraná) e a Copasa (Minas Gerais).
A análise foi feita com base nos resultados financeiros dos últimos cinco anos das companhias registrados no Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS).
“A fragilidade financeira das empresas estatais de saneamento é um problema histórico”, disse Gesner Oliveira, sócio da GO Associados e ex-presidente da Sabesp. “Muitas não têm capacidade de investir, têm um patrimônio líquido negativo. A situação delas é de penúria e quem paga são os cidadãos, já que a cobertura não avança.”
Universalização até 2033
A exigência de comprovação da saúde financeira das estatais de saneamento como condição para continuar prestando os serviços foi uma das mudanças promovidas pelo Novo Marco Legal do Saneamento, aprovado há pouco menos de um ano.
Na semana passada, o governo editou o decreto que faltava para a regulamentação desse trecho, definindo quais serão os critérios financeiros e também os prazos que passam a ter que ser cumpridos por essas estatais
As companhias terão até março de 2022 para apresentar os documentos que demonstrem a sua solidez financeira, bem como para mostrar que têm capacidade de fazer os investimentos necessários para cumprir as metas atuais do país de universalização: chegar, até 2033, a 99% da população com acesso a água potável e 90% com esgoto coletado e tratado.
Aquelas que não forem aprovadas terão seu contrato de prestação de serviços considerado irregular e terão que ser reformuladas.
As possíveis saídas incluem tanto a realização de uma parceria público-privada (PPP), em que uma empresa privada entra como parceira nos investimentos e na administração da rede, ou um plano de desestatização, para privatização ou concessão de parte ou a totalidade dos serviços, em moldes semelhantes ao que foi feito recentemente com a Cedae, a estatal de água e esgoto do estado do Rio de Janeiro.
7% com coleta de esgoto
Hoje, 84% de toda a população urbana no país recebe água tratada em casa e pouco mais da metade, 54%, tem coleta de esgoto. Para alguns estados, porém, a tarefa de elevar os números para perto dos 100% é especialmente mais difícil: no Amapá, por exemplo, onde está a companhia com a pior avaliação pelo levantamento da GO Associados, a rede de água chega a 30% das casas e a coleta de esgoto só está em 7%.
As finanças da Caesa, companhia de saneamento do estado, seriam reprovadas em três dos quatro critérios exigidos pela nova lei. É lá também que o processo de desestatização já está mais avançado: o governo do Amapá, com o apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), já publicou o edital da concessão dos serviços da empresa para a iniciativa privada, e o leilão está previsto para 2 de setembro.
Critérios de avaliação
As regras definidas pelo decreto editado na semana passado dividiram o processo de avaliação da saúde financeira das estatais de saneamento em duas fases de exigências. As companhias terão até março de 2022 para apresentar os documentos necessários.
Nos quatro critérios que formam o primeiro filtro, elas devem mostrar que têm:
– margem líquida de lucro superior a zero (lucro líquido, descontado da depreciação e da amortização, dividido pela receita total);
– índice de grau de endividamento inferior ou igual a um (passivos em relação aos ativos totais);
– índice de retorno sobre patrimônio líquido (ROE, em inglês) superior a zero (lucro líquido em relação ao patrimônio líquido);
– índice de suficiência de caixa superior a um (arrecadação total em relação às despesas operacionais, financeiras e tributárias).
Esses recortes, explica Oliveira, da GO Associados, indicarão se ela é lucrativa, não está altamente endividada (com uma dívida maior do que o valor total de seu patrimônio) e tem dinheiro disponível em caixa, que é uma das principais condições para investir ou conseguir financiamentos.
Os números deverão levar em consideração o resultado dos últimos cinco anos da empresa e estar auditados.
No segundo filtro, as companhias devem possuir um planejamento do quanto e como irão investir para cumprir as metas de universalização em sua região de atendimento. Os planos serão avaliados pelas agências regionais de regulação, de acordo com as condições financeiras apresentadas pela estatal. Caso seja constatado que uma coisa não cobre a outra, o contrato dela passa a ser considerado irregular e deve ser suspenso ou reformulado.
Fonte: “CNN”, 09/06/2021
Foto: Reprodução/Instagram/CedaeRJ