Após cinco décadas da publicação da obra Teoria da Justiça (“TJ”), a influência de John Rawls permanece, lamentavelmente, incontestável, tanto em filosofia política como no Direito. Rawls sugere um ordenamento jurídico (a “estrutura básica”) que suprime ou relativiza o direito de propriedade, baluarte da civilização ocidental. Para muitos, a ausência da propriedade privada produtiva entre os esparsos direitos fundamentais desprestigia seu conceito de “justiça como fairness”.
Rawls adota linguagem e terminologia vagas e imprecisas. Sua ambiguidade permite que adeptos de distintas filosofias políticas a considerem a doutrina rawlsiana compatível com a sua própria, principalmente se interpretada com excesso de boa vontade.
TJ é concebida como alternativa ao utilitarismo. Rawls procurou desbancar a tese de que a sociedade deve procurar maximizar a prosperidade geral (ou outra forma de “utilidade” agregada).
De fato, o utilitarismo falha ao privilegiar a maioria mesmo quando esta viola os direitos fundamentais da minoria. Fracassa também ao presumir que a democracia (votos em representantes) constitua método adequado para aglutinar as preferências dos indivíduos em uma certa ‘vontade da maioria’, como demonstra o Teorema da Impossibilidade de Arrow.
Porém, em lugar de se limitar a criticar o utilitarismo, Rawls decidiu rasgar os parâmetros milenares de justiça (por exemplo, “dar a cada um o que lhe cabe”) e começar do zero. Adotou o construtivismo e fundou a sua teoria da justiça a partir de um experimento mental.
Rawls concebeu uma assembleia de indivíduos desumanizados que decretará o que é a justiça. Estes ignoram sua classe social ou que bens possuem; desconhecem sua inteligência, gênero ou personalidade; não sabem o que é o certo ou errado, bem ou mal; não tem metas de vida, nem conhecem sua genética, seus pais, a cultura em que vivem. Mas são racionais, não têm inveja de nada, e conhecem as leis da política, de ciência econômica e da psicologia. Esta assembleia, segundo Rawls, racionalmente decidirá adotar as três regras abaixo, que estabelecem uma repartição de bens de caráter igualitário. A ideia é que egoisticamente decidirão evitar o risco de ficar por baixo na sociedade, e por isso adotarão uma extrema aversão a risco.
Em primeiro lugar, decidirão por assegurar o voto, a livre expressão e a inviolabilidade de pessoa contra opressões e prisões arbitrárias (mas não garantirão a propriedade produtiva nem a livre associação).
Em seguida, exigirão que toda e qualquer riqueza, influência ou poder não igualitários podem ser eliminados pelo Estado (por serem oportunidades inerentemente injustas).
Finalmente, estabelecerão que toda e qualquer diferença de renda ou patrimônio alcançado por um indivíduo por meio da cooperação social só será legitimada se ficar demonstrado que traz benefícios aos menos favorecidos.
O pressuposto de Rawls, é que ninguém merece a sorte (ou azar) de seu ponto de partida social e biológico. Ninguém merece, alega, sua genética, seus talentos, sua motivação para crescer, os pais que teve, ter nascido onde nasceu, ter tido certas oportunidades. Portanto, tampouco necessariamente merecemos o produto de nossos esforços, que dependem destas contingências e talentos imerecidos. Pela natureza arbitrária destas contingências, é preciso haver uma forçada equalização social.
Rawls se vale da falácia do petitio principii, ou seja, estabelece seu experimento mental de forma a garantir que resulte em uma repartição igualitária, de acordo com seu pressuposto de que qualquer diferença inicial entre indivíduos é injusta. O experimento é encomendado para suprimir a propriedade, e por isso perde significado.
Rawls é o caos. E no Brasil há quem goste.
Fonte: Folha de S. Paulo