*com Renato Fragelli
No artigo publicado em 15 de junho neste espaço, mostramos que, embora nos últimos setenta anos o Brasil tenha progredido em termos absolutos, ao se comparar a economia brasileira atual às economias mais avançadas do planeta, conclui-se que em termos relativos a economia brasileira continua tão pobre quanto nos anos 50. Analisando-se o caso exemplar da Coreia do Sul, país que rompeu o círculo vicioso da pobreza em apenas meio século, verifica-se que a sociedade brasileira – e, o que é pior, sua intelligentsia – ainda não entendeu por que o país não saiu do lugar em tão longo período.
O exemplo de desenvolvimento da Coreia do Sul
O modelo de crescimento da Coreia baseou-se em um tripé formado por educação de qualidade, economia aberta e alta poupança. Entre 1945 e 1960, o número de escolas elementares aumentou 60%, e o de estudantes nessas séries 165%. Naqueles quinze anos, a quantidade de estudantes secundários decuplicou e o número de alunos do ensino superior passou de sete mil em 1945 para 100 mil em 1960. As despesas educacionais saltaram de 8% dos gastos públicos em 1948 para 15% em 1960, patamar que se manteve posteriormente. Ao longo dos anos, a poupança doméstica coreana cresceu gradualmente, passando da faixa de 10% do PIB para o nível atual próximo a 30%.
País pequeno, a Coreia não dispunha de um grande mercado consumidor potencial, tendo dirigido sua indústria para a exportação. O modelo exportador forçou a indústria coreana a perseguir o nível de produtividade das economias avançadas. O aumento da escolaridade da mão de obra favoreceu a absorção das técnicas mais modernas, o que elevou a remuneração do trabalho, induzindo à intensificação do uso de capital e à adoção tecnológica de insumos substitutos cada vez mais eficientes. A alta poupança permitiu a conciliação de inflação controlada com a prática de juros reais baixos e câmbio desvalorizado, fatores estimulantes da indústria.
O caso brasileiro
Enquanto isto o Brasil, parafraseando o historiador Nathaniel Leff, continuou sendo uma máquina de gerar pobres. Quando decidiu se industrializar, a partir da década de 1950, a estratégia adotada para atrair indústrias multinacionais foi assegurar-lhes um grande mercado doméstico de um país continental insulado da concorrência de importações, bem como mão de obra barata. Diante da crônica falta de poupança, todas as tentativas de praticar juros reais baixos e câmbio desvalorizado desaguaram em inflação igualmente crônica.
Na década de 1950, em vez de priorizar a educação, o Brasil preferiu utilizar a pouca poupança disponível para construir uma nova capital com arquitetura futurista. Em 1960, o gasto público com educação atingia somente 1,7% do PIB, e parte do aumento posterior se concentrou na expansão da educação superior. Enquanto em 1960 a taxa de matrícula no secundário da Coreia do Sul era de 27%, no Brasil era de somente 11%. Em 1990 o primeiro país já tinha universalizado esse nível de ensino, mas aqui a taxa de matrícula no secundário estava abaixo de 40%. A recente divulgação do IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – de 2015 mostrou que a qualidade do ensino entre os 5º e 9º anos do Ensino Fundamental, e sobretudo no Ensino Médio, continua a mesma tragédia de sempre. A máquina de gerar pobres continua funcionando.
O atraso secular brasileiro, bem como sua péssima distribuição de renda, são consequências do modelo de desenvolvimento adotado. Numa economia fechada com educação restrita a uma elite, os poucos privilegiados que tiveram estudo recebem salários muitos acima do resto da população. As tentativas de estimular a industrialização com juros reais módicos e câmbio desvalorizado, num ambiente de poupança baixa, estão na raiz da inflação que agravou a má distribuição de renda.
Simulações em artigo de Pedro Ferreira, Alex Monge e Luciene Pereira, utilizando modelo bastante estilizado, encontram que a renda per capita coreana seria 50% menor se esse país houvesse adotado políticas educacionais como as brasileiras. Já o Brasil, com políticas semelhantes às coreanas, seria hoje 57% mais rico. Mas o modelo pressupõe a mesma qualidade da educação nos dois países, de modo que, se a baixa qualidade no caso brasileiro fosse considerada, essas variações da renda entre os dois países seriam ainda maiores.
Na historiografia tradicional brasileira, os economistas estruturalistas e parte dos desenvolvimentistas enfatizam fatores externos ao explicar o atraso relativo do país. Seja a exploração portuguesa ou inglesa, relações de troca desiguais com o mundo desenvolvido, ou mesmo um câmbio fora do lugar, a culpa pelo atraso sempre esteve no exterior e não no Brasil. Pouco ou nada mencionam da insuficiência na provisão de educação. As políticas de estímulo ao desenvolvimento adotadas a partir da década de 1950, ressuscitadas como farsa a partir de 2008, buscaram isolar a economia da competição internacional, com uma série de medidas protecionistas e diferentes formas de subsídios e transferências governamentais que supostamente dariam às empresas nacionais as mesmas condições de competição que firmas internacionais teriam. Muitas vezes financiadas com poupança forçada dos trabalhadores, essas políticas eram muito mais políticas para os industriais que políticas industriais e reforçaram a desigualdade de renda e riqueza.
É surpreendente que 13 anos de governos de esquerda não tenham levado a mudanças estruturais nessas dimensões. Ou talvez não haja razão para surpresas: as alianças políticas com grupos conservadores e fisiológicos, a farra patrimonialista revelada pelo Petrolão e outros escândalos, e a utilização dos bancos públicos e fundos de pensão para pesadas transferências de renda para o grande capital apontam mais para a chegada de novos sócios do para que uma efetiva troca de guarda. O atraso permanece.
Fonte: “Valor econômico”, 21 de setembro de 2016.
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