Em uma democracia de massas e de sufrágio universal, é natural que a propaganda seja utilizada para disseminar ideias, apresentar candidaturas e potencializar emoções coletivas em prol de melhorias políticas. Nesse contexto, o uso do marketing ganha força em um país continental como o Brasil, no qual os candidatos não tem condições de visitar todas as cidades nem pedir votos de porta em porta. Por assim ser, a publicidade eleitoral, quando bem feita e utilizada, reforça a crença na democracia, estimula a cidadania consciente e multiplica a força transformadora da atividade política bem exercida.
Acontece que o recente período eleitoral deixou de herança uma triste certeza: o baixo nível das campanhas e o desprestígio dos altos ideais da democracia. Objetivamente, as propostas e a fidedigna informação do eleitor foram substituídas por pautas de agressões pessoais, mentiras e distorções. Além disso, muitos candidatos perderam a espontaneidade e a liberdade de expressão, se transformando em meros reféns de táticas eleitorais que apenas procuram vender uma imagem superficial. Para piorar, quando a imagem é oca, bastam alguns retoques de maquiagem para criar a ilusão de uma bela substância fútil.
Ora, a lei eleitoral veda expressamente o uso da propaganda política como um instrumento de enganação popular e consequente falseamento da vontade do povo. Nos termos do art. 45, §1º, da Lei 9096/95, é vedado “a utilização de imagens ou cenas incorretas ou incompletas, efeitos ou quaisquer outros recursos que distorçam ou falseiem os fatos ou a sua comunicação”. Adicionalmente, o próprio Código Eleitoral proíbe a propaganda que “caluniar, difamar ou injuriar quaisquer pessoas, bem como órgãos ou entidades que exerçam autoridade pública” (art. 243, IX).
Apesar da clareza da norma, a lei, em muitos caso, é simplesmente ignorada; a busca desenfreada pelo poder parece calar a ética, silenciar a moral e entorpecer a razão pensante. Sem cortinas, muitos políticos pensam que podem tudo e, sem qualquer escrúpulo, reduzem a legalidade a um nada absoluto. Esquecem que o primeiro dever do homem público responsável é ser modelar no cumprimento da lei, pois, como um dia disse Ruy, “fora da lei não há salvação”.
Diante de tantas evidências, resta claro que o sistema de publicidade política brasileiro está vencido e superado. Sem cortinas, o fundamental é acabar com o vil “marketing eleitoreiro” e, ato contínuo, elevar a dignidade da propaganda política. Na verdade, temos que resgatar o valor da palavra “política” em todas as suas formas, livrando-a da acintosa depreciação imposta pelos canalhas da politicagem. E, como a canalhice é um vírus infeccioso, a boa propaganda política acaba por perder autenticidade e correção, transformando-se em uma peça eticamente vazia e distante dos melhores princípios que devem nortear a vida pública. Logo, em um sistema normativo ideal tanto o candidato como o seu respectivo profissional de marketing deveriam ser exemplarmente punidos quando faltarem com a verdade, agredindo a fé pública do jogo democrático.
A relação e as consequências entre a democracia e a publicidade traduzem um tema absolutamente atual, impondo um debate sério, franco e abrangente na sociedade brasileira. Em época de inimaginável avanço tecnológico, o uso responsável das técnicas de valorização das ideias e a consequente profusão das informações coletivas poderão contribuir de sobremaneira para a fidedigna educação e instrução do povo. No entanto, temos algumas questões para enfrentar: será a política um produto a ser vendido aos eleitores-consumidores? Em outras palavras, pode a política ser considerada uma atividade comercial? Se sim, será o voto um cheque em branco? E quando o produto funcionar mal, poderá o eleitor ligar para o Procon? Ainda e para encerrar, será que chegará o dia em que a urna eletrônica aceitará cartão de crédito como forma de pagamento?
Nesse mundo frenético de hoje em dia, é preciso reorganizar os princípios sociais e fazer lembrar que valor e preço nem sempre são sinônimos. Alguns gostam de ter valores para vender; outros gostam de dinheiro para comprar; felizmente, ainda existem aqueles que não se vendem nem se deixam à compra. De tudo, não há dúvida de que a boa política precisa de um marketing ético, mas dispensa a propaganda enganosa. Aliás, quem precisa de enganação sequer poderia estar na política e pleitear cargos públicos. Ou será que a luta pelo poder aceita tudo e faz da ética um nada?
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