A discussão sobre a reforma política voltou à tona. Dilma a citou no recente discurso de posse. Líderes políticos a secundaram. Sobre o tema, podem-se fazer quatro afirmações: 1) ela não é a “mãe de todas as reformas,” como se diz; 2) não é possível mudar completamente o sistema político de um só lance; 3) não faz sentido um plebiscito para a reforma, como quer a presidente: 4) dificilmente sairão grandes mudanças no atual governo.
A ideia da “mãe de todas as reformas” contém um pressuposto equivocado, o de que reformas como a tributária, a trabalhista e a previdenciária não saem por causa da fragmentação do sistema partidário, propenso ao fisiologismo e às negociações típicas do presidencialismo de coalizão (hoje mais de cooptação). A tese cai diante das reformas dos governos tucanos: na previdência, no sistema tributário e em normas para permitir a privatização nas áreas de telecomunicações e energia. Nos governos petistas, as alterações continuaram: a nova Lei de Falências, a reforma do Judiciário e a previdência privada dos servidores públicos.
Em democracias, reformas políticas, especialmente as estruturais, não acontecem de uma só vez, principalmente se as mudanças aumentarem o risco de reeleição dos que devem aprová-las — os parlamentares —, salvo se houver pressão da opinião pública e liderança política, como ocorreu na Inglaterra no século XIX. As respectivas ideias circularam por mais de dois séculos até que amadurecessem e fossem demandadas em grandes movimentos de rua. Daí saiu a Grande Reforma de 1832. Vieram depois as reformas de 1867 e 1884. Foram extintos os “distritos podres” e se concedeu o direito de voto a todos os homens (às mulheres, somente em 1928). Reduziram-se injustiças, distorções e a corrupção. Gary Cox analisou as mudanças no livro “The Effícient Secret” (1987), cujo título se inspirou na mesma expressão de Walter Bagehot, editor-chefe da revista “The Economist”, dita em 1865. Significava governo de gabinete forte em um sistema de partidos.
[su_quote]Por implicarem difíceis negociações, reformas políticas não podem ser feitas por plebiscitos, que compreendem respostas binárias — sim ou não[/su_quote]
Por implicarem difíceis negociações, reformas políticas não podem ser feitas por plebiscitos, que compreendem respostas binárias — sim ou não — a questões de fácil entendimento, tais como escolher entre monarquia e república, presidencialismo e parlamentarismo, e semelhantes. Essas consultas não servem para temas como voto proporcional ou distrital (puro ou misto), formas de financiar campanhas e outros que não podem ser traduzidos em perguntas simples.
Reformas políticas costumam ser lentas e incrementais. O Brasil confirma a experiência internacional e desmente a ideia de que o sistema político não se altera. Exemplos são o voto eletrônico, a perda de mandato na troca de partido e a Lei da Ficha Limpa.
Para efetuar tais reformas, exigem-se forte liderança política e capacidade de articulação do chefe do governo e de outros atores de excepcional qualidade. Por isso, elas começam por temas menos complexos e insuscetíveis de recusa parlamentar. Nos anos 1990, em que existiam tais condições, surgiram a cláusula de barreira, para inibir a proliferação de partidos, e a proibição de coligações em eleições parlamentares, para reduzir muitas das distorções do sistema partidário.
Infelizmente, o STF as considerou inconstitucionais — um grande equívoco, na visão de respeitados analistas políticos.
Assim, o melhor seria voltar a discutir esses dois temas, que não enfrentam coalizões de veto poderosas. Os partidos nanicos, os perdedores, não reúnem força política para bloqueá-los. O ex-presidente Fernando Henrique sugeriu o voto distrital inicialmente restrito aos municípios. O valor dessa iniciativa está em permitir um teste sobre a validade do voto distrital e em evitar sua rejeição pela Câmara. Os deputados não se sentiriam ameaçados no legítimo interesse de renovar seus respectivos mandatos.
Mesmo assim, reformas menos complexas não dispensam forte liderança no Executivo, no Legislativo e nos partidos. Tal ingrediente está infelizmente em falta neste momento. O mais provável, pois, é que a reforma política passe em branco no atual governo. Mais uma vez. Sua aprovação ficaria para próximos períodos.
Fonte: Veja, 26/1/2015
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