O ajuste fiscal foi iniciado. Os resultados podem até tardar. Porém virão. A macroeconomia nos trilhos faz diferença, podendo, mais adiante, tirar a economia do atual estado recessivo. Mas como será a travessia até lá? Pior que o custo do ajuste fiscal no curto prazo poderá ser a materialização de um quadro adverso resultante dos desdobramentos da operação Lava-Jato.
Segundo a Petrobras, as baixas contábeis podem atingir R$ 88 bilhões. A empresa não conseguirá captar recursos e manter seus planos de investimentos. Como os vínculos da Petrobras com o setor produtivo cresceram muito nos últimos anos – em parte por conta da implantação do regime de partilha na exploração do pré-sal com participação mínima de 30% em cada empreendimento e da lei de conteúdo nacional -, cresce o temor de uma grande contaminação da crise na empresa sobre a economia. Teme-se um efeito dominó envolvendo várias empresas e setores: empreiteiras envolvidas no escândalo, empresas não envolvidas mas que participam de consórcios, bancos, fornecedores, fornecedores de fornecedores.
[su_quote]Pior que o custo do ajuste fiscal no curto prazo poderá ser a materialização de um quadro adverso resultante dos desdobramentos da operação Lava-Jato[/su_quote]
Outro tipo de contaminação é a financeira. A nota de crédito da Petrobras já foi reduzida três vezes pela Moody´s em quatro meses. O risco de perda do grau de investimento é concreto, podendo contaminar o custo de captação de empresas brasileiras no exterior.
Fala-se em punir os executivos, e não as empresas. Mas não é algo simples, podendo esbarrar no Judiciário. Fala-se também em esforços para separar os negócios das empresas envolvidas no esquema de corrupção dos demais, tal que as empreiteiras não fiquem totalmente paralisadas. Outra questão é não paralisar projetos em andamento. Como garantir a devida punição, mas ao menor custo econômico possível? Será possível uma versão brasileira da Operação Mãos Limpas da Itália na década de 1990, que puniu empresários, membros do governo e parlamentares, sem causar, no entanto, um colapso da economia?
O fato é que Lava-Jato poderá ser um grande teste para a lei de recuperação judicial, criada em 2005, que permite acordos entre devedor e credor e viabiliza a empresa superar a situação de crise, buscando evitar a falência.
Até então, com casos isolados, a lei tem funcionado bem, com significativa queda do número de falências requeridas. Passados poucos anos de aplicação da lei, as falências caíram em um sexto, segundo a Serasa. A dificuldade do momento atual é a magnitude e extensão do processo, envolvendo grandes construtoras, com efeito em cascata.
A recuperação judicial traz implicações importantes, pois a empresa pode enfrentar dificuldades para fazer novos contratos com órgãos públicos, e os bancos credores são obrigados a reconhecer as perdas em seus balanços. As perdas dos bancos seriam grandes, principalmente de bancos públicos, que são os mais expostos, com impacto negativo sobre o mercado de crédito. Vale citar que, segundo a imprensa, as 23 empreiteiras citadas na Lava-Jato têm dívidas que superam R$ 100 bilhões. Portanto, a intenção é evitar que grandes empreiteiras citadas na Lava-Jato entrem em recuperação judicial.
O entorno não ajuda. Pelo contrário. Os indicadores de atividade econômica e de inadimplência da pessoa jurídica indicam que as empresas estão enfrentando dificuldades financeiras, sendo um movimento ainda em curso. Caso a economia estivesse em fase benigna do ciclo econômico, a absorção da crise seria mais fácil.
Os atrasos no pagamento de empréstimos bancários no segmento livre estão em alta há um ano, tendo atingido 6% do estoque do crédito. É verdade que não foram atingidos valores recordes; ainda assim, a tendência de alta preocupa. O atraso no pagamento de empréstimos bancários pode ser a ponta do iceberg, estando as empresas, muitas vezes, já inadimplentes com o fisco e fornecedores.
As estatísticas de falência e de recuperação judicial também já tiveram dias melhores. Voltaram a subir depois de alguns meses em queda. A fraqueza da atividade econômica sugere mais deterioração desses indicadores adiante. Importante notar que estas são variáveis anticíclicas e sentem com alguma defasagem o ciclo econômico, de forma que acelerações no crescimento econômico geram recuo nas estatísticas de falência e recuperação judicial, e vice-versa, com uma defasagem temporal de 1 a 2 trimestres. Por este aspecto, há mais deterioração por vir nos indicadores financeiros das empresas, independentemente da operação Lava-Jato.
Adicionam-se a isso os custos extras enfrentados pelas empresas por conta do quadro de escassez de energia e água. As empresas estão tendo que se adaptar à escassez com gastos e investimentos que afastam o empresário da rota de ganhos de produtividade no processo produtivo.
Os riscos no cenário são relevantes. E diferente da crise de energia e água, que sabemos como administrá-la no curto prazo, no caso via racionamento, as consequências da Lava-Jato são mais imprevisíveis e de difícil administração.
O timing de superação desta crise é bastante incerto. Quanto mais se arrastar, maior o impacto na economia. Até lá, a agenda de empresas e do governo será mais de controle de danos do que de crescimento. Um retrocesso.
Fonte: Broadcast, 3/2/2015
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