Zeina Latif e Marcos Lisboa*
O Ministro Levy nem havia tomado posse e já se especulava sobre o seu mandato e sobre a sua longevidade como Ministro da Fazenda. Incerteza e especulações parecem inevitáveis tendo em vista a gestão da política fiscal nos últimos anos, os mecanismos utilizados e a campanha eleitoral, que comprometem a credibilidade dos anúncios realizados.
Procedente ou não, o fato é que a especulação prejudica a confiança na mudança da política econômica e a eficácia do ajuste fiscal em recuperar a atividade econômica. A inflexão prometida da política econômica será mais eficaz se conduzida com transparência e sinalização de continuidade.
[su_quote]Os excessos na política fiscal resultaram em graves danos ao país. Foram iniciados e expandidos diversos programas que comprometem recursos públicos que o governo não possui[/su_quote]
Os excessos na política fiscal resultaram em graves danos ao país. Foram iniciados e expandidos diversos programas que comprometem recursos públicos que o governo não possui. A consequência é a deterioração das contas públicas e o aumento do endividamento, com impactos negativos sobre o setor privado, pelo desequilíbrio macroeconômico e distorções microeconômicas produzidas.
Tornou-se insustentável manter os compromissos assumidos nos últimos anos. Interromper o processo de endividamento crescente requer medidas duras que reduzam diversos programas públicos e aumentem a carga tributária.
Dada a impossibilidade de garantir o compromisso do governo com a nova agenda econômica, seria muito importante criar mecanismos que impeçam expedientes pouco transparentes utilizados recentemente para expandir os gastos públicos. Seria a “herança bendita” de Levy.
Parte relevante do endividamento crescente efetivo foi realizada por meio de mecanismos que evitavam sua contabilização nos dados de dívida pública disponibilizados pelo Banco Central.
Nos últimos anos, foram promovidas mudanças de regras que ampliaram o espaço para descumprimento das metas fiscais, como a flexibilização das regras para incorporação de despesas nos Restos a Pagar, que atingiram 4,3% do PIB, e a extensão do prazo para repasses de subsídios pelo Tesouro, envolvendo PSI, Proex, Revitaliza e Pronaf. Os mecanismos para-fiscais mascaram o efetivo endividamento do setor público, enquanto os Restos a Pagar obscurecem o endividamento efetivo, em decorrência da contabilidade pelo critério de caixa ao invés do regime de competência.
Foi igualmente utilizada uma sequência de instrumentos que camuflam as reais condições das contas públicas: elevação artificial de dividendos das estatais, antecipação de recebíveis e as chamadas “pedaladas”, que são o adiamento de repasses de recursos a bancos públicos e entes subnacionais, identificadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU), segundo a imprensa.
É crucial impedir a repetição desses expedientes e, paulatinamente, promover a reversão das portarias que adiam pagamentos de despesas. A boa prática na gestão da política fiscal não pode depender das boas intenções do gestor de plantão.
A Lei de Responsabilidade Fiscal prevê regras e mecanismos que garantem a boa gestão por competência das contas públicas e a sua transparência. Infelizmente, nossa sociedade tem sido leniente com o seu cumprimento legal. O relatório recente do TCU vai na contramão da leniência e, esperamos, pode ser um passo importante para um novo regime institucional.
Basicamente, trata-se de cumprir a lei: maior transparência às despesas que não são capturadas pelo regime de caixa, adotando-se integralmente o regime de competência, e vedar os empréstimos dos bancos públicos ao Tesouro. Além disso, deveriam ser criadas regras que protegessem as empresas públicas e evitassem os mecanismos para-fiscais utilizados nos últimos anos, como a transferência de títulos públicos para empresas ou bancos públicos tendo como contrapartida o pagamento de dividendos. Esse já seria um grande passo.
A LRF garante a necessária transparência. Basta ser cumprida. Aprender com a experiência e reforçar a LRF para que esses erros não se repitam seria igualmente saudável. Para o país, ainda que não para os ocasionais populistas.
*Marcos Lisboa é doutor em Economia pela Universidade da Pensilvânia e vice-presidente do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa.
Fonte: Broadcast, 12/02/2015
No Comment! Be the first one.