Desde abril do ano passado, governo federal já registrou 164 casos. Somente este ano, são 54
“Um defeito aqui, outro defeito ali”, minimizou a presidente Dilma Rousseff, ao inaugurar moradias do Minha, Casa Minha Vida em Feira de Santana (BA), na última semana. As dificuldades enfrentadas por beneficiários do programa habitacional, entretanto, não são tão banais. Além de condições nem sempre adequadas dos imóveis e fraudes nos processos de seleção, problemas como a presença do tráfico e de milícias, ameaças, invasões e até expulsão de moradores dos imóveis começaram a surgir pelo país. O governo federal registrou 164 denúncias do tipo desde abril de 2014. Só este ano, foram 54 registros.
O pedido de socorro dos moradores vem de 16 estados. No ranking de denúncias, o Rio de Janeiro fica em segundo lugar, com 17 registros, só perdendo para a Bahia. Do Rio Grande do Sul ao Acre, há gente intimidada pela ação de criminosos.
Algumas pessoas estão sem teto até hoje, caso de um homem de 56 anos que foi retirado do imóvel, na Zona Oeste do Rio, por um grupo armado que atua na região, em janeiro de 2014. Apenas seis famílias, entre as cerca de 140 prejudicadas, aceitaram ajudar nas investigações. Ele reconheceu, em juízo, 27 milicianos, alguns deles presos e aguardando julgamento. Porém, passou a ser ameaçado de morte.
— Chegaram seis pessoas na minha porta, mandaram a gente sair na mesma hora. Não pegamos nada. E ainda demos graças a Deus de não terem nos matado, porque muita gente acabou morrendo lá — conta o homem.
De acordo com o Ministério da Justiça, que centraliza as denúncias recebidas pelo governo, há casos de invasões, expulsões, tráfico e outros problemas graves de segurança em projetos do Minha Casa Minha Vida em Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Maranhão, Santa Catarina, Pará, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Piauí, Mato Grosso, Goiás, Acre, Ceará e Paraíba, além de Rio de Janeiro e Bahia. A pasta deu o ranking, mas não informou o número de denúncias por estado, com exceção do Rio.
Homem que fez denúncia se diz arrependido
Com mulher e filhos, o homem expulso pela milícia da própria casa, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, recebeu proteção da Secretaria de Segurança Pública do estado por um tempo. Depois, chegou a ser incluído em um programa de testemunhas do governo federal. Foi levado para um município goiano no entorno do Distrito Federal, mas não se adaptou. A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, que gerencia o projeto, informou que houve quebra de normas por parte do protegido, como a que o proibia de manter contato com o local de ameaça. E que, ao ser desligado, ele recebeu recursos para sustento da família por três meses, conforme as normas do programa.
O homem alega que a família “foi jogada em uma favela” sem assistência. Conta ter passado privação, além de sentir medo dos policiais da região, o que o levou a voltar ao Rio. Sob novas ameaças da milícia, saiu do estado. Hoje, perambula pelas ruas de Brasília, onde tem conseguido abrigos improvisados com a ajuda de conhecidos.
Recentemente, foi entrevistado pelo programa de proteção a testemunhas do Distrito Federal, como parte de uma análise para verificar a possibilidade de inclusão. Porém, ele próprio, ressaltando ter passado por uma experiência ruim da primeira vez, diz não acreditar na possibilidade de viver como protegido.
— Cansei dessa história de programa de proteção. O que queria mesmo era um imóvel igual ao meu em um lugar bem distante do Rio, onde a milícia não encontre a gente — afirma ele, com a chave de casa na mão. — Se soubesse o que ia acontecer, teria feito como os meus vizinhos, ficado calado.
O imóvel de pouco mais de R$ 50 mil já foi quitado e pertence a ele, confirma a Caixa Econômica Federal. A instituição não informou se a moradia faz parte das 348 do programa Minha Casa Minha Vida da faixa 1 (destinada a famílias com renda de até R$ 1,6 mil) que hoje estão em processo, judicial e extrajudicial, de reintegração de posse.
A Caixa tem razões variadas para tentar reaver essas casas e apartamentos: de fraudes, como venda ou aluguel do imóvel, a casos de ocupação pelo crime organizado.
Integrante de um grupo do Ministério Público Federal que acompanha denúncias sobre o Minha Casa Minha Vida, o procurador da República Ailton Benedito de Souza, que atua em Goiás, diz que cada estado tem suas peculiaridades.
— No Rio, as pessoas são expulsas pelo tráfico e por milícias. Em Goiás, é uma outra forma de expulsão. Não pelo uso da força, mas porque os moradores não se habituam, não querem permanecer em locais com presença de venda de drogas e acabam indo embora — diz Barbosa. — Como não há possibilidade de devolver o imóvel por esse motivo, o beneficiário vende o bem, o que é ilegal, e constitui uma invasão por parte de quem comprou, dando início a outro problema.
Segundo Barbosa, condomínios muito grandes, com até duas mil unidades, como alguns vistos na Região Metropolitana de Goiânia, são mais propensos a problemas relacionados à segurança. Além disso, há a dificuldade de convivência entre um número tão elevado de pessoas, dos mais diferentes perfis, segundo o procurador.
Para Antonio Flávio Testa, sociólogo da Universidade de Brasília (UnB) que estuda a violência urbana, a localização dos imóveis também tem relação com a criminalidade:
— Hoje, temos violência no centro das cidades, mas é claro que, se o governo coloca os condomínios em áreas afastadas, onde não há abastecimento de serviços públicos, falta policiamento, a iluminação é ruim, esses locais ficarão vulneráveis — diz Testa.
A terceira fase do Minha Casa Minha Vida prevê a construção de três milhões de moradias.
Fonte: O Globo
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