Entre elas, está a tributação de heranças e de remessas de lucros e dividendos para o exterior
O efeito recessivo do programa de ajuste fiscal sobre a economia já provoca uma divisão no próprio governo. Nos bastidores, as medidas adotadas pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, têm recebido duras críticas de áreas ligadas ao setor produtivo. Nas pastas do Desenvolvimento e da Agricultura, o ajuste da forma como está sendo delineado é considerado um verdadeiro tiro no pé da economia. Já os ministérios da Fazenda, do Planejamento e o Banco Central estão convictos de que o resgate da credibilidade das contas públicas é o que o Brasil precisa agora para voltar a crescer, mesmo que isso derrube o Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país) no curto prazo. Assim, caso o governo tenha dificuldades para aprovar no Congresso o ajuste proposto, a equipe pode tirar da manga outras medidas em estudo, como a cobrança de Imposto de Renda (IR) sobre a transmissão de bens, doações e heranças. Outra frente é a cobrança de IR sobre remessas de lucros e dividendos para o exterior.
Essas seriam ações que poderiam reforçar a arrecadação em caso de necessidade. O próprio ministro Levy sinalizou a possibilidade de mexer na taxação de doações e heranças, na entrevista em que anunciou as mudanças no programa de desoneração da folha de pagamentos. Ele afirmou que essas operações pagam hoje taxas estaduais e municipais relativamente baixas, embora possam gerar renda para quem é beneficiado:
— Se você dá R$ 1 milhão para um familiar, obviamente isso cria um patrimônio que pode ser gasto, equivalente a uma renda, mas para efeitos do IR ela não é tributada hoje. É tributada em alíquotas bastante reduzidas, no caso da doação, pelos estados. Mas esse é um caso de uma quase renda que não está sujeita à tributação do IR. Há inúmeras combinações e possibilidades que você pode imaginar.
Fim da desoneração da folha
A equipe econômica avalia que as medidas já anunciadas para o ajuste fiscal são suficientes para garantir a meta de superávit primário (economia para o pagamento de juros da dívida pública) de 1,2% do PIB em 2015, mas não descarta outras medidas, se o ajuste for flexibilizado no Congresso.
A resistência às medidas é grande dentro e fora do governo. Técnicos ouvidos por “O Globo” contaram que o ministro do Desenvolvimento, Armando Monteiro, tentou convencer Levy a não reduzir a alíquota de 3% do programa Reintegra, que dá aos exportadores um crédito tributário sobre as vendas de produtos manufaturados no exterior. Mas o máximo que conseguiu foi fazer com que baixasse para 1% em 2015. A Fazenda queria percentual menor.
Também houve desentendimento em relação às mudanças feitas no programa de desoneração da folha de pagamento das empresas. Monteiro até achava necessário alterar o desenho, mas não concordou com a forma como isso foi feito. O governo elevou as alíquotas da contribuição previdenciária que incidem sobre o faturamento das empresas em 150%, o que anulou completamente o incentivo concedido em 2011 para reduzir custos.
— Cortar o Reintegra e desonerar a folha são medidas péssimas para a indústria. O setor esperava um sinal do governo e ele vem, mas às avessas. As medidas dificultarão ainda mais a situação da indústria, principalmente em um cenário onde o governo não pode lançar mão de financiamentos públicos — disse uma fonte do governo.
Em público, no entanto, Monteiro contém as críticas. Em almoço com empresários, ontem, na sede da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), ele afirmou que o ajuste fiscal é necessário para o país, apesar de a agenda de curto prazo ser desconfortável para o setor industrial. Segundo ele, um ajuste severo é fundamental para recuperar a credibilidade dos agentes econômicos e para a reversão do quadro de instabilidade. O ministro criticou os pessimistas em relação à economia e disse que o ajuste está na direção de possibilitar uma retomada do crescimento:
— O Brasil tem condições de inaugurar um novo ciclo de crescimento com base mais saudável e sustentável, mas temos que fazer um ajuste, esse ajuste fiscal implica enfrentar um curto prazo desconfortável com corte de gastos, contingenciamento de gastos, redução de desonerações, um processo de folha de pagamento que foi uma grande conquista, mas que não é possível sustentar de forma integral.
Nova queda de braço
Agora, a nova queda de braço envolve o Proex equalização. O Desenvolvimento tenta convencer a Fazenda a não cortar em 40% os recursos do programa, atualmente em R$ 1,6 bilhão. O dinheiro do Proex é coberto pelo Tesouro para tornar os produtos de maior valor agregado do país, como bens de capital, mais competitivos no mercado externo.
— Todas as medidas do programa fiscal são muito boas para o mercado. Mas e para o resto? — indagou outro interlocutor da equipe econômica.
No governo, já há quem diga que o efeito do ajuste fiscal sobre a economia pode acabar fazendo com que as agências de classificação de risco rebaixem o Brasil por causa do desempenho do PIB este ano. O mercado financeiro já prevê uma queda de 0,58% para 2015. Caso isso se confirme, será o pior resultado dos últimos 25 anos.
Nos bastidores, parte dos técnicos afirma que, se a atividade não mostrar sinais de recuperação e ainda houver um racionamento de luz e água, o crescimento vai desabar mais, o que pode levar à redução da nota do país, especialmente agora que a Petrobras perdeu o grau de investimento da Moody’s.
Com um cenário nebuloso pela frente e medidas provisórias complexas de serem defendidas e aprovadas pelo Congresso, integrantes do governo dizem estar mais do que na hora de a presidente Dilma Rousseff explicar à sociedade que tipo de ajuste pretende fazer e falar de forma clara sobre perdas trabalhistas, previdenciárias e da indústria.
— Ela precisa molhar o pé. Defender o governo dela e as medidas que está adotando, deixar claro que o grau de investimento é importante para o país — afirmou um auxiliar.
Fonte: O Globo
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