O contexto político está cada vez pior no país, com reflexos que já atingem e atingirão ainda mais o cenário econômico e as medidas de austeridade fiscal. A recusa da MP da desoneração da folha salarial, pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, é somente uma de suas expressões. Outras certamente virão. A lista dos políticos envolvidos na Lava-Jato, finalmente apresentada pelo procurador- geral da República ao Supremo, abre uma nova etapa de investigação e de acirramento dos ânimos.
Convém, preliminarmente, ressaltar alguns fatores imponderáveis, cuja presença ou não, podem influenciar diretamente esse quadro. O primeiro deles diz respeito ao desdobramento das investigações da Lava-Jato, que podem vir a implicar a presidente Dilma no desvio de recursos da Petrobras. Não se trata, aqui, de se estabelecer uma questão de ordem criminal. Todas as informações disponíveis indicam que ela é uma pessoa honesta. O problema é outro e essencialmente político. Ela pode vir a ser investigada por responsabilidade nos desmandos da Petrobras tanto por ação quanto por omissão. Da mesma maneira, podem os recursos desviados da Petrobras terem sido utilizados para o financiamento de sua campanha eleitoral, o que seria muito grave. O segundo fator imponderável reside nas manifestações de rua, como a prevista para o dia 15, pedindo o impeachment da presidente e assumindo firme posição contra a corrupção instalada pelo PT no aparelho de Estado.
As consequências de um impeachment da presidente são, constitucionalmente, de dois tipos. Se o seu impeachment for individual, não atingindo a sua chapa, o vice-presidente assume normalmente, completando o seu mandato. Ao contrário do que vem sendo veiculado pelas redes sociais, não haveria nova eleição. Nova eleição só ocorre se houver vacância simultânea da presidente e do vice. A eleição seria direta se a vacância simultânea ocorrer nos dois primeiros anos do mandato e indireta se ocorrer nos dois últimos anos.
Cenário I: impeachment da presidente
Tal cenário seria aquele em que ela seria responsabilizada individualmente. Ora, o início do processo, independentemente de que chegue a seu término, já lançaria o país em um processo de profunda instabilidade, pois a substituição de um presidente por impeachment é um processo altamente traumático. O país ficaria suspenso e medidas econômicas seriam dificilmente tomadas.
Algumas condições:
1. O PMDB seria o principal beneficiário, pois o vice-presidente, Michel Temer, assumiria. A governabilidade seria, neste caso, garantida sem nenhuma dificuldade, pois o vice goza de prestígio e é conhecido por suas posições moderadas e institucionais. Certamente, o PMDB nada faria para segurar a presidente.
2. As oposições, certamente, terminariam aderindo a esse processo de impeachment, pois se não o fizessem ficariam em completa dissintonia com a sociedade.
3. O PT, por sua vez, seria contra o impeachment, que inviabilizaria completamente o seu projeto de poder.
4. Note-se que a nomeação de Aldemir Bendine para a presidência da Petrobras pode ser vista como tendo o objetivo de blindar internamente a instituição de qualquer investigação séria, que poderia envolver a atual presidente, o seu antecessor e o PT.
Cenário II: vacância simultânea
Neste cenário, haveria a vacância simultânea dos cargos da presidente e do seu vice. Para que isto ocorra, seriam necessárias provas que envolvessem também o vice-presidente. A possibilidade de um cenário deste tipo residiria em que fosse provado que os recursos desviados da Petrobras teriam sido utilizados no financiamento da campanha de 2014. Seria necessário, ainda, provar o envolvimento do vice-presidente no caixa da campanha, o que não é uma hipótese das mais prováveis.
Algumas condições:
1. Mesmo que fosse aberto um processo de impeachment que abarcasse tanto a presidente quanto o vice, seria muito difícil implementá-lo, dada a força do PMDB no Congresso. O mais provável seria o partido desvincular o vice da presidente, individualizando os processos, deixando a presidente à sua própria sorte.
2. Observe-se que seria de interesse do PT uma vacância simultânea da presidente e do vice, com o partido, sob a liderança de Lula, partindo para uma eleição direta, com o ex-presidente enquanto candidato. Essa hipótese não desagradaria ao partido, que, mesmo tendo o ônus do impeachment, tentaria reabilitar-se eleitoralmente com Lula.
3. Eis a razão, como plano B, de Lula já ter se lançado candidato a presidente. As urnas acabaram de ser contadas e já surgiu um candidato para 2018. Será mesmo para 2018? Ocorre que não houve precipitação, mas um cálculo de que a presidente Dilma poderia não cumprir a totalidade de seu mandato.
4. Tal cenário de vacância simultânea seria, certamente, o pior para o país, pois os movimentos sociais estão sendo desde já mobilizados e instrumentalizados. Lula está adotando uma posição provocativa a respeito, apoiando explicitamente o MST e os sem-teto.
5. Em recente declaração incendiária de Lula, ele afirmou que Stédile poderia pôr o seu “exército” na rua. Isto significaria invasões no campo e na cidade, assim como obstrução de vias nas grandes cidades, tudo com a complacência do governo. Dilma não teria muito o que fazer, pois já renunciou ao controle desses movimentos sociais, que respondem a Lula e às alas mais radicais do PT.
6. Observe-se a estratégia extremamente arriscada adotada por Lula, podendo levar o país a uma crise institucional. Como muito bem se manifestou o Clube Militar, há somente um Exército, o brasileiro, o de Caxias.
7. Entretanto, esse cenário possui uma condição suplementar, a de Lula não estar envolvido nos escândalos da Lava-Jato. Note-se que a maior parte dos desmandos da Petrobras ocorreu sob sua gestão presidencial, envolvendo pessoas próximas a ele.
A percepção correta dessas condicionantes torna-se fundamental para que possamos entender a situação atual, que está muito mais para fino jogo de xadrez do que para futebol.
Fonte: O Globo, 9/3/2015
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