No dia 13 de março, dois fatos passaram mais ou menos despercebidos: era antevéspera do aniversário de 30 anos da nova democracia brasileira – a velha durou de 1945 a 1964 e antes não houve nenhuma -, inaugurada em 15 de março de 1985, com José Sarney na Presidência, no lugar de Tancredo Neves, que morreria em 21 de abril, Dia de Tiradentes, patrono da nossa Independência.
[su_quote]Todos os economistas sérios, inclusive do PT, sabiam que aquele manejo desavisado de ferramentas discutíveis, para evitar ou superar a crise internacional, só adiaria efeitos perversos[/su_quote]
Transcorridos 30 anos, a democracia ainda capenga e exige ampla reforma política e eleitoral. Os políticos defendem a reforma, mas sem empenho em realizá-la de fato, porque as coisas para eles estão muito boas como estão: confusas e indefinidas.
O outro fato importante veio nas palavras da presidente Dilma: “Nós esgotamos todos os nossos recursos de combater a crise que começou lá em 2009. Trouxemos para as contas públicas e para o Orçamento da União problemas que, de outra forma, recairiam sobre a sociedade e os trabalhadores”. Reconhecimento tardio dos defeitos do que ela chama “nosso modelo econômico”, o amontoado de quebra-galhos com duas alavancas principais, as desonerações fiscais e o crédito subsidiado, manejadas ineptamente e em grande escala – “modelo” que começou, na verdade, com Lula, na política anticíclica. Como o nome indica, deveria servir para amenizar um ciclo econômico adverso, mas, sobretudo, tinha de ser de curta duração. Com Lula e Dilma, o anticíclico tornou-se cíclico, ao aprofundar e perenizar problemas que evitaria.
Todos os economistas sérios, inclusive do PT, sabiam que aquele manejo desavisado de ferramentas discutíveis, para evitar ou superar a crise internacional, só adiaria efeitos perversos. E, mais ainda, que a aposta no consumo como motor principal do crescimento econômico caminharia para o esgotamento depois de muito prejudicar a indústria nacional. Isso foi dito e repetido inúmeras vezes no Editorial Econômico da página 2 do nosso caderno de Economia, desde o primeiro mandato de Lula.
Mas, ao tocar nos males do “modelo”, Dilma justifica-o dizendo que, ao trazê-los para as contas públicas e para o Orçamento da União, evitou que recaíssem sobre a sociedade e os trabalhadores – justificativa post factum.
E quais seriam os problemas que não tivemos, então, que foram evitados em benefício da sociedade e dos trabalhadores? Desarranjo fiscal e baixa do emprego e do crescimento econômico? Mas não é exatamente isso o que tivemos nos dois últimos anos do primeiro mandato dela e que, agora, compete a Joaquim Levy dar um jeito, com sacrifício – não sabemos de que dimensão – da sociedade e dos trabalhadores? O novo ministro não está tendo de cortar despesas, aumentar impostos, rearrumar as contas fiscais, diminuir investimentos, sob protestos do seu próprio partido, exatamente para consertar os estragos causados pela folgança e inépcia precedentes?
Quer dizer, então, que aquela trapalhada toda de quatro anos nas contas fiscais, na política de juros, na política cambial, nas políticas de incentivos, enfim, na condução geral da economia foi tudo para proteger o emprego, os trabalhadores, a sociedade? E agora, que o emprego está caindo, os trabalhadores estão sendo demitidos e tendo cortes salariais, a sociedade está tendo de arcar com maiores impostos, maiores contas de luz, de gás, de água, e o ministro correndo atrás do prejuízo, a presidente Dilma continua achando que estava sempre certa? Acha só que “podem ter sido cometidos erros na economia”, como admitiu anteontem? E repudia um acerto com as evidências e a verdade?
A senhora Dilma, seu ministro Levy, o Congresso, o Brasil e os investidores precisam é de confiança, e “a confiança na mudança é maior quando se reconhece o erro”, diz Castelar Pinheiro, pesquisador da FGV. Quanto à economia, ficará mal, sim, não por culpa de Levy, mas por ela estar mal de fato é que o ajuste se tornou necessário.
Fonte: O Estado de S.Paulo, 19/03/2015
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