A construção de uma linha de veículos leves sobre trilhos em Cuiabá é um dos fiascos da história recente das obras públicas no Brasil. Em 2011, o projeto foi anunciado como o grande legado que a cidade ganharia por ser uma das sedes da Copa do Mundo. A um custo de 1,5 bilhão de reais, seria o maior investimento em mobilidade urbana da história de Mato Grosso.
A linha deveria ter começado a operar no início do ano passado, com 22 quilômetros de extensão e 33 estações. Mas, até agora, tudo o que ficou pronto são 800 metros de trilhos. Há 40 vagões estacionados num pátio nos arredores de Cuiabá, expostos ao clima quente e úmido da cidade e acumulando a poeira vermelha da região. Não é só isso: três quartos dos recursos previstos já foram gastos.
O governo do estado de Mato Grosso estima que, para terminar o VLT, serão necessários mais 700 milhões de reais — mas as obras estão paradas desde dezembro porque não há esse dinheiro para tirar do orçamento. A Controladoria-Geral do Estado concluiu que os projetos eram incompletos e que o pouco a sair do papel foi mal executado.
Um dos viadutos por onde o VLT passará teve de ser refeito por apresentar fissuras logo depois de ser concluído, no início do ano passado. Enquanto isso, a população sofre. Acessos às avenidas que circundam a linha do VLT seguem interditados por causa da obra inacabada, causando congestionamentos nos horários de pico. “Há regiões da cidade parecendo canteiros de obra, o que deixa Cuiabá feia e inóspita”, afirma Eduardo José de Magalhães, presidente do sindicato de hotéis, restaurantes e bares de Mato Grosso.
Muito já se falou sobre como os tortuosos caminhos da burocracia e a dificuldade de encontrar dinheiro para investimentos atrapalham o andamento das obras públicas. Quem dera fosse só isso. Casos como o do VLT de Cuiabá mostram que, mesmo quando se põe mãos à obra, as coisas custam a avançar por falta de puro bom senso.
Por aqui, é comum começar empreitadas sem saber exatamente quanto elas custarão no final. Frequentemente, os operários começam a trabalhar sem que os detalhes do projeto sejam conhecidos. O poder público também inicia obras que exigem a coordenação de dezenas de construtoras com pouca clareza sobre como administrar um empreendimento complexo. A conta acaba no bolso da população — seja na forma de impostos para cobrir as despesas, seja na de aumento nas tarifas dos serviços.
O pior: tanto tempo e dinheiro não estão sendo gastos para atingir feitos extraordinários, como levar astronautas a Marte. Trata-se de construir pontes, estradas, ferrovias e portos, entre outras obras cujas tecnologias são dominadas há décadas ou séculos.
A rede de metrô da cidade de São Paulo entrou em operação em 1974 e hoje conta com 74 quilômetros de trilhos. O metrô de Seul, na Coreia do Sul, começou a funcionar no mesmo ano e já tem 327 quilômetros.
Por que demoramos tanto? Em parte, por falta de um insumo básico: inteligência. É notório o pouco esforço que costuma ser dedicado no Brasil às fases de planejamento. De acordo com o Núcleo de Infraestrutura e Logística da Fundação Dom Cabral, a elaboração de projetos, a montagem dos cronogramas e as projeções de custos consomem cerca de 40% do tempo previsto para uma obra no Japão.
Na Alemanha, metade. Para comparar, no Brasil, só um quinto do tempo é despendido com as etapas iniciais. “No Brasil, as obras podem ser iniciadas apenas com um projeto básico”, diz Paulo Resende, professor da Fundação Dom Cabral. “Sem detalhamento, é natural que surjam situações não previstas, exigindo mudanças no cronograma e mais dinheiro para a execução.” Dados do Tribunal de Contas da União mostram que mais de um terço das fiscalizações em obras no ano passado apresentava problemas de projeto.
A Linha 5-Lilás do metrô, em São Paulo, é um exemplo disso. O projeto prevê 12 quilômetros de metrô e 11 estações. As obras começaram em 2009. A entrega da linha, inicialmente prevista para 2013, já foi postergada para o fim de 2016. Primeiro, a obra, logo após o início, ficou meio ano parada devido a uma suspeita de fraude na licitação da linha — o que, afinal, não foi confirmado.
Depois, deficiências do projeto começaram a atrapalhar o andamento. Em julho do ano passado, os engenheiros perceberam que o subsolo era mais frágil que o previsto em um ponto no bairro de Moema. Foi preciso reforçar as estruturas antes que as escavações do túnel pudessem continuar.
Fonte: Exame.
No Comment! Be the first one.