Câmara decidiu que empresas somente podem doar para partidos políticos – e não para candidatos. Tem agora o dever de criar uma regra que permita acompanhar o caminho do dinheiro nas campanhas
Enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF) se prepara para julgar uma lista de políticos envolvidos no petrolão, a Câmara dos Deputados aprovou na última quarta-feira um novo formato de financiamento eleitoral que pode abrir um perigoso precedente para as chamadas doações ocultas. A medida recebeu o aval de 70% dos deputados presentes na sessão.
O texto avalizado pela Câmara parece trazer uma mudança pouco significativa em relação ao formato atual: mantém o modelo de financiamento misto, com doações de empresas e pessoas físicas, mas, em uma regra alardeada como verniz de moralidade, determina que apenas partidos podem receber dinheiro de pessoas jurídicas. A medida foi anunciada como uma forma de impor maior controle ao repasse de recursos.
A proposta, contudo, abre uma lacuna na fiscalização da origem das doações porque não determina as regras para a distribuição dos recursos captados. Nas últimas eleições, oito meses antes do pleito, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) publicou uma resolução na qual determinou que os partidos políticos precisaram declarar à Justiça o valor que os comitês destinaram aos candidatos, explicitando as empresas e os valores doados.
Porém, nem mesmo essa resolução – válida apenas para as eleições do ano passado – coibiu a doação oculta. Os partidos amealharam recursos de diversas fontes, como do fundo partidário e doações de empresas, e posteriormente partilharam o dinheiro com os candidatos como bem quiseram. “Na hora em que o partido recebe um volume total, não tem como garantir a real origem do recurso que chegou ao candidato e se aquela empresa está se beneficiando de um determinado mandatário. Pode ser feita uma mistura de modo a transformar uma arrecadação lícita em algo problemático”, afirma o advogado Erick Pereira, doutor em direito constitucional e autor do livro Direito Eleitoral: Interpretação e Aplicação das Normas Constitucionais-eleitorais.
Ao prever apenas o direcionamento dos repasses para partidos, a emenda aprovada na Câmara sequer replica os dispositivos previstos na resolução do TSE. Para o jurista, a proposta aprovada pelos deputados “institucionalizou as doações ocultas”.
“Ao mesmo tempo em que legalizou essas doações, a proposta não trouxe os mecanismos que poderiam evitá-las, como um controle da Receita Federal ou de auditores dos tribunais de contas”, diz Erick Pereira. Ele classificou a resolução do TSE como um avanço, mas se mostra cético quanto ao fim das irregularidades nos financiamentos. “Na medida em que a Justiça Eleitoral detecta e resolve um problema, cria-se uma outra forma para tentar burlar aquela arrecadação”, afirma.
Deputado que votou contra a proposta, Miro Teixeira (Pros-RJ) é favorável ao financiamento privado, mas defende que as empresas devem doar diretamente aos políticos – sem o intermédio dos partidos. “Dessa forma, o candidato passa a ter a responsabilidade sobre a aceitação dos recursos daquela empresa”, afirma. Para ele, a brecha na legislação acaba dando respaldo à tese de quem pratica a corrupção. “Todo corrupto que é flagrado põe a culpa nas eleições e nas doações. A corrupção existe porque existe corrupto, o roubo existe porque existe o ladrão. As eleições são uma das principais conquistas da democracia, e a democracia não tem nada a ver com esses escândalos”, afirma.
Regulamentação – Apesar das críticas ao novo formato de financiamento eleitoral, a proposta foi aprovada pela Câmara acompanhada da promessa de que uma regulamentação vai fechar essas brechas e evitar que o TSE tenha de editar resoluções por causa da falta de legislação. O problema é que para sair do papel, essa legislação depende de vontade política. Como um exemplo da morosidade do Parlamento, a regulamentação sobre os direitos dos empregados domésticos foi aprovada somente dois anos após a criação da norma.
Relator destituído da comissão que discutiu a reforma política, o deputado Marcelo Castro (PMDB-PI) afirmou que preparou uma legislação sobre esse ponto. Ele defende a criação de um limite para que as empresas possam doar até 2% do faturamento total e de um valor absoluto para o teto. Outra proposta é a elaboração de uma regra que vai determinar o formato de distribuição do repasse, com, por exemplo, percentuais específicos para cada cargo em disputa. “Do jeito que foi aprovado, fica como é hoje, sem nenhuma amarra e sem nenhum limite”, afirma.
Castro chama atenção ainda para o fato de que o modelo aprovado aumenta os poderes dos partidos políticos. “Todo arbítrio dá margem a privilégios e discriminações. E os próprios deputados não vão querer deixar um arbítrio muito grande na mão dos partidos, já que com essa regra os dirigentes partidários vão acabar se beneficiando e beneficiando candidatos em detrimento de outros”, disse.
Outra proposta prevê que o período de captação seja prévio às campanhas e que os eleitores saibam antes do pleito quem investiu nos candidatos. “Isso seria feito com regras de equalização de oportunidades e democratização do acesso aos recursos captados coletivamente”, explica o deputado Marcus Pestana (PSDB-MG), vice-presidente da comissão da reforma política. Ele defende ainda que de todo o volume captado, pelo menos metade seja distribuída pelos partidos de forma igualitária entre os candidatos. “O espírito da emenda aprovada é que o processo de financiamento seja coletivo, e não individual. Se não houver uma regulamentação, nós vamos trair esse espírito que norteou a votação”, disse.
Fonte: Veja
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